domingo, 6 de julho de 2025

Aprendendo a lidar com o câncer

Primeiras reflexões desde o diagnóstico de câncer no rim 

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 Há cerca de um mês fui diagnosticado com um câncer no meu rim direito e resolvi vir aqui refletir um pouco sobre essa minha nova realidade! 

 Não sei muito bem como começar e estranho o fato de utilizar esse meu blog para um assunto de ordem pessoal, já que a proposta dessa rede foi de trazer eventualmente temas e assuntos ligados às pautas do meio ambiente, do direito ambiental e da cidadania socioambiental, o que, aliás, já não faço por aqui desde 2023. 

 O fato é que atualmente exerço pela segunda vez as funções de Superintendente do IBAMA/RJ, o que exige dedicação integral de tempo e de preocupações, limitando de forma significativa minha capacidade de dedicação aos assuntos de ordem pessoal - que vão sendo adiados para tempos futuros geralmente imprevisíveis. 

 Porém, agora preciso tomar decisões para mudanças de rumo na minha vida. E algumas dessas decisões afetam e afetarão meu desempenho profissional e o tempo de dedicação para a gestão da Superintendência do IBAMA no Rio de Janeiro, assim como alguns hábitos e costumes de vida. 

Mas vamos ao começo das coisas. 

A partir da realização de exames de rotina, foi encontrado um tumor no meu rim direito. Desde 2010 adotei a rotina de realização de exames anuais de saúde, como indicado pela medicina aos que entram na fase dos 40'! Na pandemia ainda realizei uma última bateria de exames, lá em 2021, e depois deixei de fazer nos três anos que se seguiram. Em 2025, resolvi voltar a monitorar minha saúde, sem que qualquer sintoma tenha me levado a isso. 

Encontrei um novo médico em Niterói e fui! Na relação de exames, um que eu nunca havia feito: ultrassonografia do abdome total. E foi através desse exame que foi localizado o tumor. O médico informou que, também a partir dos 40 anos, é necessária a realização anual de referido exame. 

A ultrassonografia de abdome total é um exame de imagem que permite avaliar diversos órgãos e estruturas na região abdominal, auxiliando no diagnóstico e monitoramento de diversas condições médicas. É um exame não invasivo, indolor e não utiliza radiação, o que o torna seguro para diversas faixas etárias e em diferentes situações clínicas. 

Com quase 7cm de tamanho, o tumor ocupa boa parte do rim, que tem cerca de 12cm. O médico estimou que deve existir há cerca de 10 anos para ter atingido esse tamanho, mas não provocou sintomas no meu sistema renal, que funciona regularmente. A recomendação é para a realização de cirurgia para a extração do tumor e, eventualmente, do rim - o que só será passível de confirmação durante o procedimento. Não há indicação de químio ou de radioterapia para essas ocorrências no rim. Em paralelo, estamos fazendo os exames para investigar eventual ocorrência de metástase. 

Um susto no meio de uma dor profunda de perda 

Recebi o diagnóstico do câncer no dia 16 de maio. Eu estava devastado pela notícia do falecimento, no dia anterior, da minha amiga de uma vida - Lu Morales, minha irmã de alma, minha comadre - que me deu a honra de apadrinhar e amar sua filha, minha afilhada Nauara Morales. A Lu é daquelas pessoas especiais que encontramos e que seguem por anos a fio como amizades íntimas e cotidianas, mesmo quando passávamos tempos sem se falar: amizade, amor, cumplicidades... A Lu foi uma mulher que aprendeu a compreender a natureza humana na sua essência. Profissional da psicologia clínica, da psicanálise, era uma mulher extremamente preparada e disposta à escuta do outro, com uma visão generosa do mundo. Corajosa, afetuosa, sincera e amorosa, tinha dezenas de pacientes que seguiam com ela há anos. Ela me relatava que dava alta para os pacientes, mas que eles não largavam o tratamento. As sessões de terapia com a Lu eram verdadeiras lições de sentimentos bons, de filosofias profundas... quem queria deixá-la? Pelo contrário, tinha fila de espera. 

Em nossa última conversa, ela mandou essa foto de seu niver em 2017.  


 Na pandemia, a Lu foi para o interior de Minas  Gerais e por lá ficou até partir dessa vida durante o  sono. Dormiu e não acordou mais! Até na partida ela foi suave. Mas não fui visitá-la durante esse tempo, apesar dos convites. 

Não tive tempo para abraçar minha amiga, de conhecer sua nova moradia em Silvinópolis, de contar pra ela minhas histórias - ela gostava de escutar minhas histórias, e de escutar e aprender com suas conversas sempre recheadas de profundo conhecimento filosófico. Não tive tempo! O que foi que eu fiz com meu tempo que não dediquei um final de semana sequer pra estar com ela? E, no momento em que amigos e familiares se despediam e velavam seu corpo, mais uma vez não pude ir. Mas dessa vez por um justo motivo: era o dia da consulta com o urologista que me daria a notícia do tumor no meu rim. Ainda tentei trabalhar. Fui ao IBAMA, mas não tive a menor condição de trabalhar naquele dia. Arrumei as coisas e voltei pra casa pra me enclausurar! 

No dia seguinte ao diagnóstico tinha viagem marcada para o Ceará, onde participei do Congresso da Associação Brasileira de Professores de Direito Ambiental - APRODAB, da qual sou membro. Aproveitei para ir no final de semana que antecedia o congresso com minha companheira Adriana e fizemos um pequeno passeio à Canoa Quebrada. Foram três dias tomando sol na praia, escutando um reggae no Freedom Bar e me acostumando à nova condição que a vida me impôs. 

Eu preciso me cuidar! 

A notícia sobre um câncer é desoladora! Pensamos logo no porquê acontecer com a gente! E como esse diagnóstico irá transformar nossa realidade. Eu aprendi um pouco desse processo recentemente, no meio da pandemia, com minha ex-companheira e mãe do meu filho - Andréia. Diagnosticada com câncer de mama em 2020, passou por muitos desafios não só pela doença, mas por sua ocorrência no auge da pandemia que levou milhares de vidas em todo o mundo, por todos os lados. Assim que ela teve o diagnóstico, recomendei que ela desse publicidade para ganhar o tempo que precisava para o tratamento e para receber a solidariedade dos amigos e familiares. Agora que aconteceu comigo é que vejo como é difícil vir aqui contar, sem saber como começar, sem ser tomado por sentimentos piegas ou vitimistas e sem saber com convicção o que realmente eu quero dizer por aqui. 

Mas a Andréia soube expressar sentimentos lindos e escrever textos poéticos que revelam um lado bom desses momentos. E sim, têm lados positivos em tudo, até mesmo nas enfermidades. Recomendo que consultem o blog que ela montou: http://partilhar74.webnode.page/ .

 Em primeiro lugar, avisei a família. Em seguida, os servidores do IBAMA/RJ e amigos mais próximos. E agora venho aqui em público. A questão é que eu preciso que saibam que entrei numa rotina longa de exames, consultas e procedimentos preparatórios para a realização da cirurgia, que ainda não tem data para ocorrer, mas que estimo que será em agosto. Com esse processo, tenho tido menos disponibilidade para agendas, eventos, reuniões e respostas em redes sociais, especialmente o whatsapp - através do qual muitas solicitações relacionadas a trabalho. Então, compreendam se eu não respondi mensagens, emails e outras tentativas de comunicação. 

 Eu preciso agradecer! 

Só com as primeiras comunicações, já recebi uma corrente de rezas, orações, mandingas e outras formas de energia positiva para minha cura. Recomendações de cirurgias espirituais, reikis, passes presenciais e à distância. Pessoas das mais variadas relações sensibilizadas e motivadas a ajudar a me conduzir na direção da cura têm aparecido e me acolhido. 

 É incrível como o desejo do bem alheio resiste às fortes correntes de ódio que se proliferaram nos últimos anos. É um movimento lindo, que nos faz enxergar esperança na humanidade. Uma amiga de turma da UFF da Adriana, por exemplo, trouxe seus sogros para fazerem um passe espiritual. Eu aceitei. E eles vieram de Magé até nossa casa pra rezar por mim, iniciando um ciclo que terá mais três encontros! Eles não me conheciam, eu não os conhecia. Mesmo assim, saíram de sua casa e vieram apenas para promover o bem, sem ganhar nada senão um sorriso, um abraço e a perspectiva de levar a cura! O Amor continua vencendo o ódio! 

O Amor é o lado positivo de tudo, mesmo daquilo de pior que nos afeta. Porque nesses momentos nós encontramos braços que querem nos abraçar. Diante de uma doença que está associada à morte, encontramos uma potente fonte de vida! 

Eu quero, então, agradecer a minha família, a minha companheira, aos meus amigos e amigas, aos que estão ao meu lado nos desafios diários do IBAMA e aos que estão chegando agora pra ajudar, trazer luz, alegria, sorrisos e afetos para que eu passe por esse desafio, restabeleça minha saúde e retome minha vida sob novas perspectivas. 

Minhas recomendações! 

Vivam a vida intensamente. Visitem os amigos, as amigas... eles são o que temos de melhor. Não nos foram colocados por ninguém, são nossas próprias escolhas que lhes deram a condição de compartilhar nossas vidas. O tempo sempre existe, nós somos os senhores e senhoras do nosso tempo! 

 Façam exames periódicos. A medicina está bastante e cada vez mais avançada, permitindo diagnósticos precoces que indicam excelentes condições de tratamento do que quer que seja! Sem têm mais de 40 anos, sigam a dica do meu médico e peçam uma ultra do abdome total. Lá estão nossos órgãos essenciais. E defendam o SUS, ele é uma política pública brasileira e muito bem sucedido para a promoção da saúde preventiva, para a promoção da vacinação, mas também para a medicina curativa e para atendimento de emergências.

 Eu vou fazer a cirurgia na medicina dos homens. Mas também comecei os procedimentos para a cirurgia espiritual e estou reprogramando hábitos e rotinas, porque a essência da vida é fazer aquilo que nos deixa felizes! 

E eu escolhi ser feliz!

sábado, 4 de fevereiro de 2023

Cambalhotas no Camboatá

A saga e a sátira dos bastidores da análise governamental do pedido de licenciamento ambiental para a construção do Novo Autódromo na Floresta do Camboatá 

Foto by @GustavoPedro

E lá fomos nós pra mais uma reunião para defender a Floresta do Camboatá! Naqueles tempos de pandemia, "lá fomos nós" era quando a gente ia até o computador e/ou celular para algum compromisso assim mais duradouro. Mas falar isso pra quem não está inserido no movimento não dá a real dimensão do "lá fomos nós para mais uma reunião". Porque a última, a última reunião, ela começou às 19hs de uma sexta-feira e terminou às 5hs da manhã de sábado. É uma verdadeira balada que vc se prepara pra ir na sexta à noite, sai na missão e gasta energia, consome álcool, às vezes mais, e volta pra casa de manhã esgotado. Consome álcool??? Porra, pra aturar umas figuras, só no grau. Tava todo mundo participando de casa. Mais de mil pessoas conectadas na audiência pública. Quem podia imaginar que ia durar até 5hs da manhã? Nesse tempo, vc comeu, bebeu, cochilou, levantou, assistiu um vídeo do Porta dos Fundos... Quem aguentaria 10hs sentado de frente a uma tela?

Participar de um movimento como o SOS Floresta do Camboatá também não é simples. Porque você tem que abrir mão do descanso, do lazer, dos filhos, dos pais, enfim, de tantas e diversas outras coisas que vc poderia estar fazendo, como não fazendo nada, por exemplo. Mas você se compromete com uma causa pelo que há de mais forte na existência que é o amor à natureza, o amor ao próximo, o amor aos iguais e aos diferentes! A Floresta de Camboatá reuniu uma imensa legião de defensores. Pessoas que se movem pelos ideais e não por interesses escusos, pessoas do entorno e dos outros locais. Há muitos que vivem nos seus entornos imediatos e muitos mais em toda Zona Oeste da Cidade. Mas o Movimento estava em toda a Cidade. A Floresta do Camboatá está na Lei Orgânica, no Plano Diretor e nas pautas do Conselho de Meio Ambiente da Cidade - CONSEMAC. Mas o Camboatá foi abraçado para fora dos limites territoriais, através das redes sociais, que atraíram para o movimento pessoas de outros estados e também de outros países mundo afora. O Camboatá entrou na pauta da Greve Mundial pelo Clima! Olha que responsa!

Bem, fomos lá! E pra variar, suspense até a hora de começar. O INEA tinha publicado uma nota em seu site avisando da reunião e de sua pauta, colocando o endereço do Youtube no qual seria transmitida. Mas depois essa parte do Youtube foi subtraída sem qualquer explicação e surgiram rumores conspiratórios de que teria sido ordem do governador para suspender. Teorias conspiratórias são muito comuns em casos como esses, especialmente porque o cenário é o Estado do Rio de Janeiro e o Rio não é para principiantes. Ou é, já não sei dizer!

Na hora da reunião, quando já se achava que não seria liberado acesso, eis que pá... chegaram os convites com o link da sala. Bom, diferente da audiência pública, essa reunião não era aberta para fala de qualquer um. Só os conselheiros. A maioria sabia disso, eu suponho, mas acho que não! Só pensando aqui. Entraram acho que mais que 150 pessoas. Foi a maior participação na história da CECA, disse o Maurício Couto, o presidente da Comissão e quem conduziu a reunião. Mas assim, do nada, a galera chegando na reunião e tal... E vem um grito:

- Falei que ia dar merda! Vamos entrar todo mundo para derrubar"!

Mano, eu rachei de rir. Mal começou a reunião, o presidente não tinha nem feito as honras e a mulher entra pregando a revolução... Quem foi que falou essa porra?, indaguei pra mim mesmo enquanto gargalhava solitário em frente minha tela naquele ambiente público. Alguém escreve aí nos comentários, por favor! Dá pra escrever sem se identificar! Ou fala comigo no privado. Eu quero entrar nesse movimento também. Derrubar a porra toda! Bom, ninguém se animou e o assunto não entrou na pauta, mas mereceu a reprimenda do presidente com a lembrança de que não seria permitido o uso da palavra pelas pessoas que, como eu, não são membros da CECA. O que é correto! A moça não retrucou, levando a crer na aceitação de que a proposta por ela encaminhada não teve adesões e que ela deveria respeitar a vontade da maioria! Revolução cancelada para a próxima sessão!

Bem, o presidente fez as premissas necessárias e encaminhou para apresentação do parecer pela equipe técnica, formada por cinco servidores de carreira do INEA. São Analistas Ambientais que entraram no órgão por concurso. Não conheço pessoalmente nenhum deles, mas me tornei um admirador, porque foram cirúrgicos na análise de 192 páginas de seu laudo - que teve naquele dia uma retumbante conclusão pelo INDEFERIMENTO do pedido de licença. Foi assim bem estiloso mesmo, com pedido de registro em ata. Ah, tá... Sei lá, eu não entendi! 

Estava ali sinalizado que algo aconteceu. Mas a gente nunca sabe direito se não estava no meio da situação. Você entra num ambiente às vezes e sente os climas. Climas bons e ruins. Os climas. Rolou meio um climinha, nada assim definitivo. Aí o presidente chama a Procuradora-Chefe do INEA, Dra. Vanessa Reis. Ela começou dizendo algo sobre o fato de apenas agora a equipe técnica ter se manifestado de forma conclusiva, diferente do que consta no parecer que foi enviado a ela. 

Bom, aí eu tenho que abrir um parênteses.

Naquele dia teve uma matéria no Globo apontando que servidores do INEA revelaram ter sofrido pressões para se manifestarem favoráveis ao projeto. A matéria revela uma informação que já tinha chegado até nós de que a equipe técnica teria sido obrigada a retirar o parágrafo no qual concluíam pelo INDEFERIMENTO do projeto e substituí-lo por um de encaminhamento inconclusivo à Procuradoria do INEA. E isso aconteceu. E a Procuradora-Chefe juntou um parecer jurídico no qual ela alega, entre tantas coisas, que é uma sobrecarga excessiva depositar sobre o empreendedor a responsabilidade exclusiva de produzir as informações relacionadas ao EIA/RIMA do seu empreendimento. Eu não entendi muito bem, mas deixa pra lá. Não é disso que eu vim falar.

A Procuradora então seguiu falando que mantinha a posição que adotou no seu parecer jurídico, porque quando ela analisou o parecer técnico não tinha manifestação conclusiva! Eu ficava lendo os comentários que passam enquanto as pessoas falam. É um termômetro sobre os índices de paciência dos participantes. Sempre tem aqueles dois ou três de pavio curto, que logo saem esculachando geral. Eles são um primeiro alerta de que as coisas podem não estar indo bem. Quando começam a repetir algumas expressões, isto é, quando pessoas diferentes começam a dizer as mesmas coisas, é sinal de que a temperatura subiu. E aí começou a aparecer mensagens tipo "mas agora TEM manifestação conclusiva" de montão. Aí, isso induz você. É o tal efeito manada... então você vai lá e escreve também "AGORA JÁ TEM O PARECER CONCLUSIVOOOOO". Coloca grande que é pra ver se ela enxerga. Pô, se agora mudou, porque vai fazer birra e pá "eu mantenho minha posição"?

Mas ela fundamentou. Eu sei lá, acho que estava meio distraído e não entendi muito bem o que ela tava falando. Não tenho como reproduzir. Mas daqui a pouco começaram a surgir no chat um monte de pergunta "gente, do que ela tá falando"... pronto. Efeito manada!

O Procurador da PGE, Dr. Leonardo Quintanilha, discordou da ilustre colega. Bingo! Tem algo acontecendo, todos os sinais estão dados. O Procurador fez 284 questionamentos técnicos e terminou lacrando: bem, acho que por enquanto é isso! O Presidente não deixou barato: ainda bem que é só isso, né doutor!

Mano, cadê a mulher que ia derrubar a porra toda antes do início? Chama ela pra botar esses caras pra se entenderem dentro do governo antes de vir assim em público. Não, chama não! Deixa rolar!

Falou um por um na primeira rodada com o encaminhamento que o Presidente deu depois dessas primeiras falas. Tem uns caras que entraram recentemente, primeira reunião. A equipe técnica fez uma exposição impecável. Todo mundo reconheceu. Estão de parabéns! E concluíram pela INVIABILIDADE do projeto. Porra, uns caras que chegaram agora, primeira reunião e pegam um tema desses, com uma exposição invejável da equipe técnica... vai dizer o que? Nada! O presidente passava a palavra e perguntava, conselheiro, tem alguma dúvida, quer fazer alguma pergunta, um questionamento? Várias respostas foram NÃO! Tá certo, não tem como ter dúvida.

Aí o Presidente passa a palavra ao empreendedor! Ué, eu estranhei. Mas eu não sei como funciona a CECA, só agora eu comecei a assistir. Não sei se é comum levar o empreendedor pra falar na reunião. Mas tudo bem. Bom, eu confesso que meu santo não bateu com o daquele homem. Eu não gosto do que ele defende, porque ele quer devorar a floresta. Mas nem o conheço. Quer dizer, o pessoal circulou matérias sobre outras empreitadas dele e pá... efeito manada! Já tô eu influenciado por isso quando olho e escuto esse cara.

Mas sei lá, hoje eu achei que ele estava fazendo um estilo conquistador latino, pronto pra conquistar as Américas. Puro preconceito meu, eu admito. A gente cria cisma com as pessoas. Quem aí não criou? Levanta a mão! A gente não pode definir uma pessoa pela aparência!

Tá legal, mas, mano, alguém também sacou na hora que ele tava falando... ele tava fumando. Por certo não era maconha, porque ele é uma pessoa de bem. Mas alguém notou que entrou uma musiquinha assim de fundo? Alguém mais ouviu isso ou eu tô doido? Era a música do Marlboro? Aquela música do assobio... cara, não pode ser, é Terra de Marlboro! 

Vocês lembram disso? Putz, não tem programação melhor do que uma reunião como essa. Tem até fundo musical da propaganda do Marlboro. Faz pipoca, pega um guaraná e abre a tela!

Bem, foi à votação! 

Aí foram votar se todos achavam que dava pra votar hoje ou não! Cara, não entendi. Ou vota ou não vota, mas não se vota se deve se votar, porque, porra, é muito esquisito. Quando foi votar isso, confirmou na minha cabeça. Tem angu nesse caroço! Eles estão trocando códigos governamentais que eu não saquei. Vamos ver então como o pessoal vai votar. Entrou em regime de votação. Então, o Presidente perguntou se os conselheiros entendiam que havia condições de deliberar ainda naquele dia. Resultado: 10 acharam que tinham condição de decidir e 03 disseram que não. Foi então à votação e o Presidente encaminhou uma confusão: Proposta 1 era o INDEFERIMENTO do pedido, com base no irretocável parecer técnico e nas manifestações do Procurador, da Conselheira da UERJ Nena Bergallo e do Conselheiro Luiz Carneiro, do CREA; a Proposta 2 era pela complementação dos estudos, com base no parecer da Procuradora da época na qual ela recebeu um parecer técnico que não tinha o parágrafo da conclusão (coisa que se resolve com um despacho interlocutório) - mas que ela não mudava, mesmo sabendo que agora o Parecer Técnico é conclusivo em apontar a absoluta INVIABILIDADE do projeto no local denominado Floresta do Camboatá!

A Procuradora, então, à qual competem assuntos de ordem jurídica, discorda de uma equipe técnica altamente qualificada, que elaborou um Parecer Técnico de 192 páginas, com uma conclusão expressa pela INVIABILIDADE TÉCNICA do projeto e, só porque na versão que enviaram para ela não tinha um parágrafo de conclusão e apesar de agora ter, só agora, só por isso, resolve exigir complementações técnicas que ela não avaliará, porque não conhece do assunto e que terá que ir para as mãos da equipe técnica que hoje se manifestou com o entendimento de que não há nenhum complemento de informação que possa alterar o fato de que legal e tecnicamente o projeto é inviável na Floresta do Camboatá? Será isso tudo assim tão à toa? Será? Mas é claro, que não. Ou não? É aquilo que falei lá no início. Tem mato pra cachorro!

Bem, mas foi isso. Aí foram votar. O Procurador fez uma defesa fantástica do voto! Todo mundo vibrava no chat o nome de Quintanilha! Todos na torcida! O Procurador selou o fim do projeto! Absolutamente inviável! Defesa impecável também! Só não teve aplausos por causa do isolamento social! Senão, estaria nos braços do povo! 

Aí voltou pro Presidente, para passar para o próximo conselheiro votar. E do nada, ele interrompe: Humm, peraí... Ah, tá! O empreendedor quer falar!

O quequéisso, Presidente? Pode isso, Arnaldo? Em regime de votação, o empreendedor que não faz parte da Comissão, pode interromper pra se manifestar? Não, Casão,  diria o Arnaldo para o Casagrande, explicando que quando entra em regime de votação não tem mais questão de ordem, de encaminhamento, de esclarecimento, de porra nenhuma! Ainda mais de alguém que nem faz parte da comissão e que é interessado direto na matéria e teve seu tempo para defender suas ideias. E ele foi falar que discordava do Procurador, que ele não teve acesso ao parecer técnico e sei lá mais o que. E o Presidente ainda vira pro Procurador e pergunta: o senhor quer mudar o seu voto depois dos esclarecimentos do empreendedor. Gente, foi isso mesmo! Pode ir lá assistir quem não viu. Estava em regime de votação e o cara interrompeu para discordar do voto do Procurador. Porra, quem não conhece o Rio, aqui é 021!

Bom, aí eu taquei o chinelo no lepitopi e ele caiu. 

Eu escutei eles tudo votando. Aqueles caras que entraram agora na primeira reunião, coincidentemente nas vésperas da reunião da CECA que decidiria sobre o pedido de licenciamento ambiental do Novo Autódromo sobre a Floresta do Camboatá, aqueles mesmos que disseram que não tinham nenhuma dúvida sobre as informações e a manifestação apresentada pela equipe técnica que analisava esse processo há mais de dois anos, eles votaram contra o Parecer Técnico do INEA e a favor do pedido de complementação de informações que a Procuradora fez quando ela recebeu aquele parecer inconclusivo e que não quis mudar porque só agora a equipe técnica concluiu pelo INDEFERIMENTO do pedido. 

Foi 11 a 3. Não preciso dizer qual teve onze votos e qual teve três, né? Até o Presidente do INEA à época, João Eustáquio, que havia assumido o cargo dias antes! Ele votou pra exigir mais estudos para a equipe técnica do INEA que expressamente já havia informado ter acessado todo tipo de informação sobre o projeto e a área. Na primeira votação, o Presidente do INEA me deixou mais confuso ainda. Ele disse que votaria na proposta de que não havia condições de votar naquele dia, mas como vários já tinham votado e estava ganhando a proposta de que havia condições de votar no dia, ele resolveu votar na proposta de que havia condições de votar. Entenderam? Eu também não. Mas se eu entendi direito, é mais ou menos dizer que votaria no Crivella pra prefeito, mas como todo mundo tava votando no Paes naquelas eleições, ele também votaria no Paes. Enfim, acho que faz sentido. Eu é que já estou meio cansado e fico tendo confusões mentais.

Mas, afinal, aprovaram que o INEA pediria complementação dos estudos e realização de nova audiência pública para analisar um Parecer Técnico que já concluiu que, definitivamente, o projeto é inviável de ser implementado na Floresta do Camboatá, independentemente de quaisquer conclusões que eventualmente sejam juntadas ao processo.

Eu sou testemunha de que isso tudo aconteceu. Mas quem conta um conto aumenta um ponto, não é mesmo? O fato é que o Eduardo Paes prometeu, na campanha eleitoral de 2020, que não mais faria o projeto do Novo Autódromo na Floresta do Camboatá se eleito fosse. Ele mesmo que, em sua primeira gestão, por conta das obras para as Olimpíadas de 2016, demoliu o Autódromo de Jacarepaguá e prometeu construir o Novo Autódromo na Floresta do Camboatá! Coméquié? É isso mesmo, prometeu que ia fazer nas eleições de 2008 e prometeu que não ia fazer nas eleições de 2020.

Ele não é bobo, bicho! Ele viu a força do Movimento SOS Floresta do Camboatá! 

E a Floresta ficou! 

 

 

 

sexta-feira, 3 de abril de 2020

Só por um cigarro





Eu fiquei com medo. Medo de andar nas ruas àquela hora. Nunca vi a Lapa daquele jeito. No 42º dia da quarentena, os serviços públicos urbanos estavam significativamente deficitários. Eram apenas oito e meia da noite, mas aquela saidinha estava me parecendo um grande pesadelo.

A Gomes Freire estava às escuras, sem as luzes de mercúrio que surgiam dos seus postes. Muito tempo já sem manutenção. Acho que andaram apedrejando ou dando tiros nas lâmpadas. De vez em quando eu escutava uns barulhos que deviam ser lâmpadas sendo estouradas.

Havia muita sujeira por toda parte, nas ruas e nas calçadas. Grupos de rua proliferaram e ocupavam espaços variados do bairro. Com o fechamento dos bares, restaurantes, boates, as calçadas deixaram de ser utilizadas para os estabelecimentos e acabaram virando território de grupos que aumentavam quanto mais crescia o desemprego com a quebradeira geral da economia.

Eu queria fumar um cigarro. Há 18 anos que não encosto um cigarro na boca. Nem um mísero trago quando estava bebendo com os amigos no Baixo. Tempos que parecem bastante distantes. Se eu soubesse o quanto beber com os amigos é uma lembrança tão boa, se soubesse como isso me faz falta, eu teria bebido por todos os dias da minha vida passada, antes da pandemia.

Conseguir um cigarro não está fácil. No nosso grupo de whatsapp, o Flávio me passou a dica de um lugar que vendia. Ali na Lavradio, numa portinha do lado do Bar do Senador. Saí do meu prédio na Francisco Muratori envolto num cobertor velho, um gorro, uma calça escura parecendo suja tentando esconder ao máximo qualquer parte do meu corpo limpo. Sair àquela hora era suicídio, porque as pessoas das ruas já estavam há dias sem comer, tentando achar restos em qualquer saco de lixo fechado. Já não se fazia doação de comida através de associações ou grupos de civis, pois alguns grupos de rua passaram a promover saques frequentes, ferindo voluntários e danificando seus carros. Apenas o Exército fazia distribuição de refeições, através de forte esquema de proteção.

Sair na Lapa de noite é certeza de ser atacado pelos grupos de rua ou alvejado pelas milícias que disputam as atividades ilícitas da região. Mas eu queria um cigarro. Eu via pela janela como as coisas estavam lá fora. Nunca imaginei passar um mês em casa sem pôr os pés na rua. Porra, quarto e sala é foda, mermão! Botei o traje de grupo de rua e fui.

A sensação era de medo. As notícias sobre as mortes eram diárias e crescentes. Todo mundo sabia o perigo de sair pra rua. Caralho, andei pela Lapa por toda minha vida e nunca tive medo. Hoje eu senti.

Eram vários os grupos de rua. E por cada um que eu passava – eu sempre andando pela rua, nunca mais pelas calçadas – eu tinha a impressão de que eles me olhavam e que me chamavam, quando eu escutava alguma fala mais forte e incisiva. Eles falavam entre eles, mas eu achava que me chamavam.

O cheiro era horroroso. Lixo, fezes, urina... de noite também havia o risco com as matilhas. Aumentou muito a quantidade de animais de rua. As pessoas passaram a abandonar seus animais, aquelas famílias que já não tinham mais nem como se alimentar, quanto mais seus animais. E cães famintos também circulavam em matilhas promovendo ataques entre eles próprios, mas também com ataques frequentes a humanos.

O Flávio falou pra procurar o Tonho na portinha de ferro da Lavradio, que ele teria o Malboro Blue Ice. Desci a Muratori, peguei a Gomes Freire e entrei na Mem de Sá. A esquina com a Lavradio tava tomada por carros de polícia, do exército e uma tropa de choque preparada para atacar grupos de rua e prender gente circulando. Nem mais fazer compras, agora é absolutamente tudo pelo delivery. Cigarros e bebidas não se encontram mais em estabelecimentos comerciais, só com as milícias locais.

Sem pensar abortei o caminho pela Mem de Sá e segui pela Gomes Freire. Só queria fumar um cigarro. Passou um entregador na sua bike escutando, sem o fonezinho, um som dos Racionais... acho que os Racionais têm a trilha perfeita para esse ambiente. Combinou pra caralho com aquilo que eu sentia. Os entregadores e os outros prestadores de serviço essenciais são os objetos de proteção da polícia. Ela tem carta branca pra atirar em qualquer um que ameace atacar prestadores de serviços essenciais. E muita gente vem sendo executada porque partem desesperadas pra cima de entregadores em busca de alguma comida.

Um cara me chamou do outro lado da rua. Dessa vez era real. Ele estava sozinho encostado no poste e não parecia ser grupo de rua. Perguntou se ele podia falar comigo. Por que esse cara do outro lado da rua quer falar comigo? Olhei pra ele pensando, mas não parei de andar. Ele pergunta de novo e eu só balanço a cabeça em movimento negativo, sem emitir qualquer som e sem diminuir o passo. Será que ele vem atrás de mim? O que esse cara é, caso não seja mesmo de grupo de rua? O que ele quer comigo?

Apertei o passo e segui por uns metros até poder olhar pra trás sem que ele pudesse me ver, caso tivesse ainda parado no lugar onde estava. Porque se estivesse atrás de mim, eu ia sair correndo.

Assim que entrei na Lavradio, reparei que tinha umas pessoas na portinha do Tonho. Resolvi esperar até que elas saíssem de lá. Então, eu fui. Bati na porta uma vez e nada. Duas. Três, e nada. Até que na quarta ele abriu. Tonho? Perguntei. O que você quer, me respondeu de forma grosseira. Eu quero um Malboro Blue Ice. Quer é o caralho, seu filho da puta! Não entendi porque ele falou assim comigo. Mas ele continuou: Tá achando que eu sou otário? E eu dizendo, do que você tá falando? Não tô entendendo... Pensa que eu não tô vendo que você tá limpo, que não é grupo de rua. Tá achando que eu sô otário? Vai tomar no seu cu, filhadaputa... e fechou a porta!

Eu fiquei parado na porta sem reação. Não acreditava no que tava acontecendo. O cara deve ter achado que eu era polícia secreta ou de alguma milícia rival – interessada em tomar o ponto. Putaqueopariu, não consegui meu cigarro.

Eu fiquei estatelado por alguns segundos em frente à porta do Tonho. Não podia desistir, eu tava decidido a comprar o meu cigarro. Peguei o celular pra passar uma mensagem pro grupo. Alguém haveria de me indicar outro lugar pela região ou alguma alternativa. Eu preciso de um cigarro.

Mandei uma mensagem pro grupo, mas fui surpreendido – assustado – por um grupo de rua que me cercou, tomando meu celular e me agredindo, momento no qual eu percebo a facada. Coloco a mão no abdômen e a vejo de imediato coberta de sangue... o meu sangue correndo entre meus dedos, eles tirando as coisas dos meus bolsos e rindo. Fui perdendo minhas forças, minha mente estava confusa, já não sabia exatamente o que estava acontecendo. Me passava na cabeça a sensação de que eu estava sonhando. Aquilo já não parecia real. Caí no chão, no meio de um círculo de homens mal vestidos que me olhavam e riam... Por que ninguém me ajudava? Por que eles estavam rindo? Eu já perdendo a consciência e aquele que segurava uma faca na mão e um cigarro na outra, puxou o último trago, encaixou o cigarro como se fosse dar um peteleco com os dedos e o lançou na minha cara. Imagina se pega na vista, eu pensei, enquanto eles viravam de costas e partiam.

Nos meus últimos suspiros, tentando entender o que estava acontecendo, sinto aquela fumaça obstruindo mais ainda a minha turva visão... um cigarro queimando. Um cigarro? Cigarro??? Consegui dar três tragos! Que puta felicidade!

sexta-feira, 27 de março de 2020

Governo Witzel se vale do COVID-19 para desfraudar licenciamento ambiental do Autódromo

Decididos a licenciar a qualquer custo o projeto do Autódromo do Rio na Floresta do Camboatá, Governo Estadual prepara alteração normativa em meio à Pandemia do Coronavírus para afastar participação social da Avaliação de Impacto Ambiental

   
   O Governo Witzel não esconde suas nebulosas intenções de atropelar os procedimentos legais do Licenciamento Ambiental para garantir a implantação de um projeto que elimina o último fragmento florestal localizado na planície da Zona Oeste. Trata-se de área com pouco mais de 200 hectares, com 57% de cobertura lenhosa (115 hectares), dos quais 20 hectares são de Mata Atlântica nativa madura em estágio clímax e 67 hectares em estágio avançado de regeneração, com o restante em estágios médio e inicial. Essa floresta abriga espécies da fauna e da flora raras e ameaçadas de extinção, e presta importantes serviços ecossistemas para a região de Deodoro e entornos. A Zona Oeste do Rio de Janeiro tem o registro das temperaturas mais elevadas do Município, baixa arborização, altas taxas de ocupação humana e escassez de áreas de lazer.


Na imagem, percebe-se que a Floresta do Camboatá é um oásis em meio à selva de pedra. 

   O projeto do Novo Autódromo do Rio vem sendo trabalhado a toque de caixa, tentando subverter as regras normativas para sua aprovação. Em 2013, o INEA - Instituto Estadual do Ambiente licenciou o projeto sem a devida análise de seus impactos, sem qualquer publicidade e sem participação social. O Ministério Público Estadual - MPE ingressou com Ação Civil Pública para anular o licenciamento e obteve decisão liminar que, posteriormente, em setembro de 2018, foi transformada em decisão definitiva - que condenava o INEA e o Estado do Rio de Janeiro a se omitirem em licenciar o projeto antes da elaboração de EIA/RIMA, assegurada a realização de audiências públicas para exposição e discussão com a sociedade (sobre referida decisão, ver matéria no site do MPE).

Governo Municipal também comete desvios para viabilizar projeto

   O Governo da Cidade do Rio também está empenhado na viabilização do projeto e, para isso, vem burlando a legislação com desvios administrativos e, segundo o Ministério Público Federal - MPF, também com ilícitos criminais. A Justiça Federal já cancelou por duas vezes a contratação da empresa Rio Motorpark pela Prefeitura, tendo em vista o descumprimento da exigência de elaboração do EIA/RIMA, assim como em razão de suspeitas de favorecimento no processo licitatório. Segundo apuração do MPF, o presidente da Rio Motorpark é sócio da Crow Assessoria, que atuou na montagem do edital. Ou seja, tudo em casa!

   A Rio Motorpark foi criada apenas 11 dias antes da licitação e não possui o capital mínimo de garantia exigido nas regras do certame. E ofereceu como garantia uma carta-fiança de uma instituição que não é reconhecida pelo Banco Central. Ou seja, um festival de irregularidades (veja mais sobre o caso aqui).

Governo tentou, na surdina da Pandemia do COVID-19, realizar Audiência Pública sem público

   No dia 14/03, o INEA publicou aviso de cancelamento da realização da Audiência Pública para análise do EIA/RIMA do projeto - que se daria no dia 18/03, tendo em vista a publicação do Decreto Estadual nº 46.970, de 13 de março de 2020, que suspendia todos os eventos públicos previstos para os 15 dias seguintes, em função do avanço da disseminação do COVID-19.

   No entanto, recebi no dia 16/03 informações de fontes seguras de que havia chegado ordem pessoal do Governador Witzel para que o INEA mantivesse a data da Audiência, descumprindo seu próprio decreto. Testemunhei o momento no qual o aviso de cancelamento da Audiência foi apagado do site do INEA, substituído em seguida pela notícia de que a Audiência de fato ocorreria em 18/03. Denunciei nas redes sociais, assim como a parlamentares e aos coordenadores do Movimento SOS Floresta do Camboatá que, por sua vez, comunicaram ao MPE - que imediatamente notificou o INEA com a recomendação de manutenção do cancelamento, sob pena das devidas responsabilizações legais. 

   O INEA acolheu a recomendação do MPE e republicou o anúncio do cancelamento (veja mais na matéria publicada na Revista Piauí).

Em nova tentativa de desviar processo de avaliação do EIA/RIMA, Governo planeja modificar legislação para realizar Audiência Virtual


   As relações de dirigentes da área ambiental com os empresários da Rio Motorpark configuram tipicamente a violação do princípios da impessoalidade e da imparcialidade da Administração Pública. Elas demonstram que o Governo e seus órgãos ambientais não possuem o necessário distanciamento do projeto que assegure uma análise imparcial, contaminando os processos com o vício de uma análise que previamente já está comprometida com sua aprovação.

Na foto feita no INEA encontram-se o Secretário Estadual do Ambiente, Altineu Côrtes, o Presidente do INEA, Carlos Henrique Netto Vaz, o Deputado Carlo Caiado, e os empresários da Rio Motorpark - todos sorrindo pelo Autódromo que pretende derrubar 200 mil árvores.

   Pois bem, enquanto a sociedade vive o drama do Coronavírus, o grupo acima está trabalhando com muito empenho para aprovar o projeto. Porém, de forma ardilosa, violando a ordem jurídica em prejuízo da sociedade.

   A mais nova estratégia do grupo é a aprovação de uma alteração normativa, em meio à Pandemia, que permita seguir com o projeto enquanto todos estão atentos aos efeitos fatais da proliferação do Coronavírus.

  O Secretário Estadual do Ambiente, Altineu Côrtes, pretende convocar reunião do Conselho Estadual do Ambiente - CONEMA para o dia 02 de abril, com uma única pauta a ser discutida: a alteração da Resolução CONEMA nº 35/2011 - que dispõe sobre a realização de Audiências Públicas no Licenciamento Ambiental no Estado do Rio de Janeiro. Como permanecem proibidas as reuniões presenciais no Estado, pretende-se fazer uma reunião virtual do CONEMA - fato inédito na sua história, especialmente em se tratando de um projeto que não tem qualquer representação emergencial.

  A proposta do Governo, se aprovada, permitirá que a Audiência Pública do projeto do Autódromo seja realizada sem público, em ambiente virtual, literalmente desvirtuando o objetivo das Audiências Públicas - que é de permitir que a sociedade se reúna com as equipes do empreendedor e do órgão ambiental, com assessoramento de profissionais variados ligados a Universidades, órgãos de classe e organizações comunitárias e ambientalistas, para um confronto sadio de ideias, a fim de avaliar o projeto e suas alternativas.

  Há, realmente, interesses muito poderosos por trás desse projeto, eis que sequer a tragédia de uma Pandemia mundial - que já atinge gravemente a cidade e o estado do Rio de Janeiro - segura a ganância de devastar uma floresta de mais de 200 hectares para aferir lucros em detrimento das garantias de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, passando por cima de tudo e de todos.


  Abaixo, a minuta do Projeto de Resolução CONEMA que pretende consagrar formalmente plenos poderes para o governo controlar a participação social nos processos de Licenciamento Ambiental no Rio de Janeiro.





















sábado, 12 de maio de 2018

Um modesto tributo pela partida do jovem Ronaldo Coutinho!

A precoce desencarnação de um verdadeiro mestre e amigo, um dos últimos legítimos comunistas, dos maiores humanistas e eterno crítico acadêmico e político


Ronaldo é uma das poucas pessoas que conheci que conseguiu manter-se jovem por mais tempo na vida. Seus cabelos e barba brancos não corrompiam sua juventude, marcada pela vivacidade de seu humanismo, de sua indignação diante das injustiças, do vigor de sua crítica à crueldade do capitalismo, de sua integridade intelectual, de sua maturidade acadêmica.

Por esse eterno espírito juvenil, por sua permanente militância política, Ronaldo foi perseguido pelos adoradores do status quo, aqueles apegados aos podres poderes, às ideias vazias, às lacunas ideológicas e ao pragmatismo conservador. Mas Ronaldo era resistente, era forte e, acima de tudo, era um semeador. Espalhou sementes por onde passava, sementes que floresceram, que geraram árvores e formaram florestas com farta diversidade!

Mas nessa madrugada, Ronaldo desencarnou. Deixou-nos da vida terrena e partiu para o mundo espiritual. Foi uma partida precoce, da qual lamentamos. Ronaldo ainda tinha missões a cumprir. Sua juventude ainda lhe cobrava muitos planos pela frente.

Na semana passada, quando postei um dos meus sonhos psicodélicos no Facebook, alguém me perguntava sobre meu doutorado, ao que respondi que estava me enlouquecendo. Ronaldo comentou que eu não precisava de doutorado para enlouquecer... É verdade, concordei. Ronaldo me conhecia bem. Sabe que destoo do caráter de normalidade que impregna a subjetividade contemporânea. E por isso gostava de mim. E por ele ser outro 'louco', eu o amava também!

Sinto muito por sua partida. Sinto pela dor da família, pela dor dos amigos, dos alunos... Ele estava nos nossos planos futuros e nós nos dele também.

Meu amigo Ronaldo me ligou na semana passada para pedir que eu reservasse o dia 26 de maio. Falou que faria 80 anos no dia 28, mas como cairá numa segunda, comemoraria no dia 26. Disse que faria como em seus 70 anos e que a festa seria muito do meu gosto, com bebidas e música à vontade, com DJ, pista de dança, tudo de graça. Que o único ônus dos convidados seria ouvir o discurso do aniversariante! Estava feliz, muito feliz em comemorar.

Não sem um tom de incômodo, comentou que estava lutando contra o câncer. Mas assegurou: Eu o venci! Mas que ainda tinha exames a fazer, talvez pelas consequências da radioterapia. Lamentou a perda da filha pela mesma doença há exatamente um ano, mas se mostrou guerreiro, disputando a vida a cada segundo. Celebrando-a a cada motivo!

                                                         No lançamento da primeira edição do nosso livro O Direito Ambiental das Cidades, em 2004

Perguntou-me do doutorado, ao que lhe respondi que estava de fato muito tenso, atrasado, mas produzindo. Ele, então, pediu que eu fosse a sua casa na sexta-feira (ontem), que ele me ajudaria nessa reta final. Fiquei muito feliz pelo acolhimento do meu mestre. Ronaldo foi meu orientador no mestrado em Direito da Cidade, na UERJ. Foi minha inspiração no trabalho que fiz sobre o Estudo de Impacto de Vizinhança - EIV, que virou livro em 2006. Mas antes mesmo da conclusão do mestrado, fizemos uma parceria na coordenação do livro O Direito Ambiental das Cidades, uma coletânea que chegou a sua segunda edição em 2009. Com a edição esgotada, tínhamos combinado de preparar a terceira edição logo depois da conclusão do meu doutorado, revista e ampliada. Aventei também meu desejo que ele estivesse na minha banca de doutorado. E ele estará, como principal homenageado!

Ronaldo comentou que em razão da doença, tinha parado por um tempo de escrever. Mas que estava retornando à produção. E que, a partir de agora, só escreveria sobre o direito ambiental. Seu projeto em curso era um novo livro sobre o tema. Disse que não ia aproveitar praticamente nada do que tinha produzido em artigos. Seria uma produção inteiramente nova, em capítulos, na qual trataria das questões filosóficas e políticas: será o direito ambiental um direito simbólico? Disse que responderia a essa questão... e que já teria umas cinquenta e poucas páginas escritas. Falou da Samarco, dos grandes projetos e suas consequências, da legislação ambiental e urbanística comparadas, do que não consta mais da legislação e continua sendo aplicado.

Mas o seu projeto foi interrompido precocemente! 

Amanhã será seu velório e sua cremação (13/05 - Capela da Penitência, Caju, entre 9hs e 16hs). Amigos e familiares se reunirão para a despedida, para a homenagem merecida a uma vida dedicada a plantar esperança, para a solidariedade à sua companheira Maria Tereza de Menezes e aos seus familiares.

Mas o Mestre Ronaldo que nos habita, que contagiou nossos corações e mentes, permanecerá vivo, jovem, forte e lutador. O adubo que ele nos ofereceu floreou nossas vidas e penso que temos o compromisso de complementar a nova obra do Ronaldo. Somos muitos Ronaldos: a Danielle Moreira - de quem ele tanto se orgulhava, a Tatiana Cotta, o Luigi Bonizatto, o Flávio Ahmed, o Celso Fiorillo, o Wilson Madeira, o Fernando Walcacer, a Ana Motta e uma enorme legião de pessoas que foram iluminadas por sua Luz!

Ronaldo do Livramento Coutinho! Amigo, Mestre, Comunista verdadeiro, Libertário, Rubro-Negro!

Ronaldo Presente! Sempre!

Meu fraterno e carinhoso abraço!!!