Entrevista de Rogério Rocco ao Jornal AMBIENTE HOJE
Rogério Rocco é Advogado, Mestre em Direito da Cidade e Analista Ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio/MMA. Foi Secretário de Meio Ambiente de Niterói, em 2000, e Superintendente do IBAMA/RJ na gestão de Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente.
Autor de livros sobre o Estudo de Impacto de Vizinhança, a Legislação Brasileira de Meio Ambiente, dentre outros temas, Rogério Rocco fala ao Jornal Ambiente Hoje sobre a tragédia na Região Serrana do Rio de Janeiro, mudanças no Código Florestal, Mudanças Climáticas, dentre outros assuntos correlatos.
Abaixo, a íntegra da entrevista:
Jornal AH: Começamos este ano assistindo a uma tragédia na região Serrana do Rio de Janeiro. Poderíamos dizer que o que aconteceu ali foi conseqüência da ação humana? (desmatamento da floresta e ocupação irregular das encostas, por exemplo.)
RR.: A tragédia ocorrida é resultado da conjunção de eventos naturais, que produziu uma precipitação com altos índices pluviométricos. Foi a chagada de uma frente fria do litoral, associada a ondas de calor. Isso pode acontecer em qualquer lugar a qualquer tempo. Mas o número de mortos e o tamanho das perdas materiais é que vão apontar qual a responsabilidade da ação humana quando associada ao evento natural. Então, no caso recente da Região Serrana tivemos um grande número de mortos e desaparecidos que, somados, passam de 1200 pessoas. Além disso, centenas de casas foram fatalmente atingidas pela força das chuvas. Mas não é a primeira vez. Tivemos no ano passado os incidentes idênticos em São Paulo, Rio de Janeiro (Niterói e Angra inclusos), Alagoas e Pernambuco. A ação humana ao longo das últimas décadas intensificou os efeitos negativos dessas ocorrências, além – no caso do aquecimento global –, de aumentar a quantidade de ocorrências.
Jornal AH: Estudiosos do meio ambiente alertam para mais eventos extremos como enchentes, longas secas, furacões, deslizamentos e outros. Neste momento o que governo e sociedade poderiam fazer para evitar novas tragédias no país?
RR.: Nós temos um modelo de desenvolvimento que historicamente ignorou as questões do necessário equilíbrio socioambiental. Pelo contrário, trabalhou no sentido de consumir e eliminar importantes ecossistemas. O urbanismo no Brasil trabalhou com a lógica de que os manguezais fossem áreas fétidas e insalubres, extraindo grandes extensões litorâneas por onde se expandiu. Isso tem mais de cem anos. Mas com a consolidação de um sistema tributário municipal, dentre as inovações trazidas pela Constituição federal de 1988, também a fórmula de arrecadação se configurou como fomentadora de um desenvolvimento predatório e supérfluo.
Então, o que arrecada é mais indústria, mais casas e prédios, mais carros e mais gente. Para evitar muitas perdas humanas, animais e materiais nas próximas tragédias naturais, temos que adotar imediatamente sistemas de prevenção eficientes – com mapeamento de áreas de risco e instalação de sistemas de alerta. Mas para evitar novas tragédias, temos que repensar nossos modelos de desenvolvimento, nossas fórmulas de valorização de bens e nossas políticas de uso e ocupação do solo. Só assim podemos assegurar maior segurança para as futuras gerações.
Jornal AH: As mudanças no Código Florestal que deverá ser votado em março pelo Congresso diminui as áreas das APPs nas margens dos rios, dos atuais 30 metros para 15 metros. A ainda libera para construções em encostas. Se o código for aprovado, quais as conseqüências para o meio ambiente e para a população?
RR.: Muitos dos resultados fatais das tragédias vividas nos últimos anos estão associados à ocupação de margens de rios e de encostas, seja de forma ordenada como desordenada. Se as mudanças do Código resultarem nessa diminuição, como pretende o relator do projeto – Deputado Aldo Rebelo (PCdoB), os efeitos serão esses mesmos que assistimos na Região Serrana do Rio de Janeiro. As conseqüências socioambientais são bem conhecidas.
Jornal AH: A mata atlântica, um dos nossos biomas mais ameaçados, foi reduzida a 8% do seu tamanho original. E mais, 80% de sua área é atualmente propriedade privada. O que é possível fazer para salvar o que resta da floresta?
RR.: Temos o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, que induz políticas de conservação em áreas públicas e/ou privadas. Mas sozinho, não surte efeito. Temos que fortalecer as limitações administrativas associadas ao uso da propriedade – o que já possuímos no Código Florestal, assim como a eficácia de instrumentos econômicos que estimulem a conservação da cobertura florestal nas propriedades privadas. Somente essas políticas associadas podem fazer frente às pressões urbanas e rurais sobre as florestas brasileiras.
Jornal AH: O desmatamento responde por 10% de todas as emissões de gases do efeito estufa por atividades humanas. Mas por trás dos desmatamentos estão as pressões econômicas. Como lidar com isto?
RR.: É muito difícil frear uma economia em ascensão como a pecuária brasileira. Ela responde por uma população maior que a de cidadãos brasileiros. De acordo com relatório do IBGE de fins de 2010, a população bovina no Brasil já está na ordem dos 205 milhões de indivíduos, contra 190 milhões de cidadãos. Se adotarmos a média de área necessária para o pasto de cada boi, de 1 hectare, teremos ¼ do território nacional comprometido com a atividade. Somados a isso, temos que considerar que parte da produção de grãos está associada à fabricação de ração para gado – como no caso da soja, e que o consumo de água nesta atividade é bastante significativo. Ou seja, evitar o desmatamento é rever as políticas de desenvolvimento que estimulam a supressão das florestas. Não é uma fórmula simplista de aumentar a fiscalização, mas ela também deve ser aumentada.
Jornal AH: As discussões sobre questões ambientais começaram em 1972 em Estocolmo, depois disso foram realizados vários fóruns mundiais, como o de 92 no Brasil, e por último a Conferência de Cancún, no ano passado. São quase 40 anos de debates. Como vc avalia estas tentativas de resolver questões sobre o meio ambiental de forma global?
RR.: Não há dúvidas de que estamos avançando globalmente na solução, ou melhor, na minimização dos efeitos da degradação ambiental. E não tem como ser diferente. Cada Nação tem que agir no âmbito de seu território, mas deve existir um conjunto de compromissos globais para a adoção de políticas que alterem os modos de vida de toda população mundial. Uns tantos devem aumentar seu acesso aos elementos naturais, a fim de que atinjam um padrão mínimo de qualidade de vida que lhes assegure dignidade humana, enquanto outros devem diminuir seu consumo e seu descarte. As conferências realizadas desde o advento de Estocolmo têm avançado sob alguns aspectos. Em 2012, termos outra conferência no Rio, que vai avaliar os avanços desde 1992, apontando necessários acordos com vistas a melhorar as condições futuras do planeta. Temos que acreditar e apostar no poder dessas esferas de decisão, mas cada documento firmado é apenas o começo de processos necessários de transformação global.
Jornal AH: Se nada for feito para barrar o aquecimento global, quais as conseqüências reais para o Planeta? E qual o prazo para sentirmos essas mudanças com mais intensidade?
RR.: Penso que na atualidade não temos como admitir falar em “se nada for feito”. O painel do IPCC que garantiu para o mundo que as mudanças climáticas causadas pelo aquecimento global já estão em curso, por si já é uma ação importante. Principalmente porque ela permite aos mais incrédulos a comprovação do que já se fala há muito tempo. Isso porque é o conhecimento que transforma. A grande preocupação deve recair sobre o quê será feito e não sobre se nada for feito. Acredito também que já não seja uma questão de prazo, pois a intensidade dos afeitos naturais adversos já está aumentando. A nossa geração é vítima e testemunha desse modelo, mas pode se diferenciar por ser também a redentora, mudando o destino das futuras gerações.
Jornal AH: Uma matéria do Globo Natureza informa que mais de um bilhão de pessoas não têm acesso a água limpa no mundo. E o consumo deve aumentar em 20 anos. Será que vamos viver na realidade e velha ficção da guerra pelo controle da água no mundo?
RR.: Acredito que já vivemos uma guerra pelo controle da água. Mas a grande diferença da lógica das velhas ficções, é que essa guerra é econômica e não militar. Não temos aquedutos ou grandes navios levando nossa água para o exterior, mas temos nossos campeões de exportação: carne de boi e de frango, grãos, sucos, minérios processados, etc. Assim é que exportam nossa água. Estima-se, por baixo, que para cada quilo de carne sejam consumidos 3 mil litros de água. Se somos a maior população bovina do mundo, depois da Índia – onde a vaca é sagrada –, quanto gastamos de água para comercializar tanta carne? Dados oficiais apontam que de toda água doce brasileira, 70% são consumidos pela produção rural, 20% pela indústria e 10% pela população. Isso demonstra que o Brasil assegura os benefícios de água doce para milhões de estrangeiros, antes de assegurá-los a todos os brasileiros. Outro paradoxo pode ser conferido em qualquer posto de gasolina: se para produzir a gasolina é necessário um volume de investimentos gigantesco, que envolve a construção e operação de plataformas, navios, dutos, refinarias, caminhões e postos de serviços, como explicar que o litro seja vendido a aproximadamente R$ 2,50? Isso porque a água, que envolve métodos e custos infinitamente menores, custa no mesmo posto de gasolina cerca de R$ 4,00 o litro. Portanto, a guerra começou! Nos postos, a água já custa mais caro que a gasolina. E isso no Brasil, que detém parte expressiva da água doce mundial.
Jornal AH: Qual a sua expectativa para o futuro em relação ao meio ambiente no mundo e no Brasil?
RR.: No Brasil avançamos bastante na normatização da proteção ambiental. Mas estamos experimentando alguns retrocessos, como a liberação dos transgênicos sem licenciamento ambiental, a adoção de figuras curiosas como a Licença Parcial – bastante divulgada no caso da Hidrelétrica de Belo Monte, e a aprovação do relatório do Dep. Aldo Rebelo (PCdoB) com mudanças no Código Florestal. Eu penso que, no geral, o conjunto de avanços seja mais expressivo que o de retrocessos. Mas isso só se mantém se a sociedade permanecer atenta e participativa. No mundo, os termos são outros. Haverá avanços em alguns, mas em outros lugares encontraremos a mesma triste realidade já existente.
Mas eu sou um otimista. Eu acredito no poder humano de transformação e, nem que seja em razão de seu instinto de sobrevivência, confio que os indivíduos tenham condições de transformar seus modos de vida seguindo os caminhos da sustentabilidade socioambiental.
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