Os projetos para a Cidade
A Cidade do Rio de Janeiro tem vocação ecológica. Foi a Capital Mundial da Ecologia em 1992, quando sediou a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento – chamada de RIO 92. Em 2012 ostentará novamente este título, quando os chefes de Estado se reunirão para outra Conferência Mundial sobre o Meio Ambiente, que vem sendo apelidada de RIO+20, por acontecer exatos vinte anos depois da primeira!
Essa vocação ecológica alimenta a indústria do turismo, que é uma atividade econômica muito importante para o Brasil. Além do mais, o Rio de Janeiro mantém a tradição de reverberar notícias por todo o país e pelo mundo afora. Portanto, a partir dessas características, temos no Rio de Janeiro uma Cidade-vitrine, que poderia – a partir das boas práticas -, difundir experiências de construção da sustentabilidade local.
Nas políticas para os transportes, a cidade deveria apostar nas alternativas com maior eficiência na redução do tempo entre os seus percursos, com menores emissões de gases resultantes da queima de combustíveis fósseis, com menos impactos sociais, associadas também a preços menores das passagens. Esses compromissos fariam o diferencial entre sistemas e políticas tradicionalmente utilizadas em grande parte das cidades do mundo e um sistema adotado de acordo com as características e vocações ecológicas do Rio.
Projetos não faltam, mas tem faltado vontade política nesse sentido.
De acordo com matérias na imprensa e entrevistas de representantes do Estado, a prioridade do governo nos transportes está sendo dada para o metrô e para o sistema de trens urbanos, que atende a boa parte da Região Metropolitana. Alegam que este será o maior investimento programado no sistema de trens do Rio de Janeiro dos últimos 30 anos. Até dezembro de 2015, prometem investir no setor R$ 2,5 bilhões e colocar em operação mais de 230 trens - 120 novos e 70 reformados. De acordo com seus argumentos, esses investimentos vão restabelecer a capacidade de atendimento de uma demanda estimada em 1 milhão de passageiros por dia, praticamente dobrando a demanda atual.
Na infraestrutura rodoviária, é destacado o Arco Metropolitano, que vai desviar o tráfego da Região Metropolitana; a conexão da Via Light com a Avenida Brasil, para desobstruir boa parte da Rodovia Presidente Dutra, oferecendo uma alternativa para os usuários de transporte rodoviário. Estudos estão avançados também em relação à Avenida Canal, para a construção de uma via paralela à Avenida Brasil, entre Nova Iguaçu e Caxias.
No âmbito do Município do Rio, os projetos viários incluem a modernização e ampliação da Auto-Estrada Lagoa-Barra, envolvendo intervenções ao longo de 12,4 km, entre a Av. Borges de Medeiros e a Av. das Américas, com duplicação de pistas, viadutos e túneis. Há projeto para melhorar a ligação Linha Vermelha - Ilha do Governador; para a Via Light 1 - segmento entre a Av. Chrisóstomo Pimentel de Oliveira (antiga Estrada Rio do Pau) em Costa Barros e a Av. Brasil em Honório Gurgel. Incorpora a construção de 2 túneis, sendo um totalmente em solo, além de 6 viadutos; para a Via Light 2 - segmento entre a Av. Brasil, em Honório Gurgel e Madureira, projetado com características de via arterial/local.
Os projetos hidroviários para o Município incluem a ligação hidroviária Barra–Centro, a ligação Ilha–Botafogo - ligação marítima entre os bairros da Ilha do Governador e Botafogo, com paradas previstas na Ilha do Fundão e no Centro da Cidade, que representa a ligação marítima entre os Aeroportos Tom Jobim e Santos Dumont.
Os projetos de transportes sobre trilhos são muito interessantes. Há o que estabelece os bondes no Centro - o projeto, em negociação com o BNDES, prevê a implantação em regime de concessão, de um sistema de bondes circular na área central da Cidade. Este sistema se integrará com as linhas de ônibus que acessam o Centro, a SUPERVIA e o METRÔ.
Há, ainda, o Transpan - Sistema de Transporte sobre Trilhos, ligando a Barra da Tijuca (Terminal Alvorada) ao Aeroporto Internacional Tom Jobim (Ilha do Governador) e ao Aeroporto Santos Dumont (Centro da Cidade). Existe também um estudo da viabilidade de implantação de um sistema de transporte de média capacidade na Barra da Tijuca, chamado de Bondes da Barra. A idéia é de instalá-lo no eixo da Av. das Américas. E, no futuro, poderia ser estendido pelas Avenidas Salvador Allende e Embaixador Abelardo Bueno até a estação Autódromo do Corredor T5.
Os impactos socioambientais
O rodoviarismo produziu e vem produzindo muitos impactos socioambientais por todo o país. Ele retroalimenta a indústria automobilística, que lança constantemente novas levas de carros no Brasil, que – por sua vez – passam a impor demandas para a ampliação de vias e rodovias, túneis e viadutos, de postos de gasolina e serviços gerais, de estacionamentos e outras estruturas necessárias ao acolhimento do veículos particulares.
Em ambientes inóspitos, como ainda o são grandes áreas da Amazônia, o rodoviarismo é um indutor do desmatamento, da grilagem e de outras práticas ilícitas. Aparentemente ele também seria um elemento positivo para o escoamento da produção regional. Porém, as condições ambientais da região são impróprias para esse tipo de transporte por, dentre outros motivos, sofrer alterações com os períodos de cheias dos rios, que deixam estradas em baixo d’água por longos períodos. Mesmo assim, a opção rodoviarista para a Amazônia mantém-se na agenda prioritária das políticas públicas, em detrimento das alternativas de transporte hidroviário e ferroviário.
No âmbito das áreas urbanas do Brasil, o rodoviarismo é praticamente inerente. Isto é, as cidades são pensadas sob a lógica prioritária da circulação de veículos particulares e de transporte público sobre rodas. As malhas ferroviárias pré-existentes, em boa parte, foram sucateadas em razão dessa opção prioritária pelo carro.
Consequentemente, conflitos urbanos dos mais variados são gerados a partir do investimento nesse modelo de circulação. E as crescentes demoras nos deslocamentos acabaram se tornando um tormento comum nas médias e grandes cidades, atuando sobre a subjetividade coletiva de forma extremamente negativa, produzindo epidemias de doenças de cunho neurológico.
Além disso, as emissões de gases variados, resultantes da queima de combustíveis fósseis pelos veículos automotores também afetam a saúde da população, principalmente sobre os sistemas respiratórios – incidindo diretamente na diminuição da qualidade de vida das pessoas.
Portanto, é notório que há grandes impactos sociais, ambientais e urbanísticos na implementação de projetos viários, como os que estão em processo de elaboração e licenciamento no Município do Rio de Janeiro.
A legislação ambiental e urbanística prevê os instrumentos pelos quais esses impactos serão avaliados, seja o licenciamento ambiental, a avaliação de impacto ambiental – que se materializa na elaboração e discussão do Estudo de Impacto Ambiental – EIA e do Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente – RIMA, ou o licenciamento urbanístico e a avaliação de impactos urbanísticos – na forma do Estudo de Impacto de Vizinhança – EIV.
Porém, alguns exemplos já demonstraram que o açodamento nesses processos é a regra e que muitos dos impactos não são sequer detectados ou demonstrados no curso dos licenciamentos. Foi o caso do licenciamento da Linha Vermelha que, apesar de ter aterrado diversos trechos do espelho d’água e de manguezais da Baía de Guanabara, teve dispensada a elaboração do EIA/RIMA em razão de uma brecha deixada pela legislação estadual sobre o assunto. Com isso, os impactos não foram devidamente avaliados e, consequentemente, não receberam o que lhes caberia na definição das medidas mitigadoras e compensatórias.
Já com a Linha Amarela, tivemos um exemplo de cooptação dos opositores pelo empreendedor. Na ocasião, uma organização ecológica com atuação na região da Baixada de Jacarepaguá patrocinava uma Ação Civil Pública contra o empreendimento em razão dos impactos que produziria sobre o meio ambiente e a qualidade de vida da população. Entretanto, desistiu da ação em determinado momento, em troca da execução de um projeto de educação ambiental de pouco mais de R$ 500 mil. Assim, a proteção do meio ambiente foi substituída por um hipotético e contraditório processo de “conscientização ecológica”.
Com obras em curso desde 2010, a pavimentação da estrada Capelinha-Mauá, no sul do Estado, seguiu caminhos semelhantes. O EIA/RIMA da obra foi extremamente mal elaborado, com dados e informações equivocados, sem a avaliação dos impactos socioambientais – o que foi tempestivamente alertado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio, que é gestor de Unidades de Conservação federais afetadas pelo empreendimento, especialmente a APA da Serra da Mantiqueira. Mesmo assim, os estudos foram aceitos e alguns dos riscos apontados já se materializaram em impactos durante a fase de implementação das obras – ocasionando inclusive o desmoronamento e interdição da circulação pela estrada por algumas semanas, durante o período das chuvas.
No caso do Arco Metropolitano, a situação é a mesma. A via fará a ligação entre Itaguaí e São Gonçalo, passando pela periferia da Cidade do Rio de Janeiro. Tem como objetivo retirar os veículos de carga de algumas áreas já saturadas do Rio. No curso do licenciamento ambiental, optou-se por um trajeto que atravessa a Floresta Nacional - FLONA Mario Xavier, uma Unidade de Conservação federal localizada no Município de Seropédica, por razões eminentemente econômicas, em detrimento dos objetivos de conservação da unidade. E, no início de sua instalação, exatamente o trecho da rodovia que atravessa a unidade teve que ser paralisado por mais de seis meses em razão da existência de uma espécie de perereca que é endêmica – isto é, só existe naquela localidade. O detalhe é que essa situação já era apontada no EIA/RIMA, o que demonstra a fragilidade da avaliação de impactos nos licenciamentos ambientais.
Em resumo, os impactos socioambientais são conhecidos e muito semelhantes quando o assunto é a implementação de rodovias. E o descrédito dos processos de licenciamento agrava as consequências desses impactos, principalmente quando a população diretamente afetada só toma conhecimento dos riscos quando já se materializaram em efeitos.
Por ser o meio ambiente ecologicamente equilibrado um direito de todos e tendo em vista a busca da sustentabilidade da Cidade, a melhor forma de implementar obras que tenham essa magnitude é com fundamentação técnica convincente. Intervenções que possuam um potencial de impactos positivos e negativos por sucessivas gerações, como as novas vias expressas do Rio, devem ser pensadas sob a ótica de princípios e diretrizes para um desenvolvimento com sustentabilidade, legitimadas pelo crivo da sociedade – através dos processos legalmente instituídos.
Amanhã vou falar sobre as Diretrizes do Desenvolvimento da Cidade e Os Impactos de Vizinhança
Rogerio ,
ResponderExcluirSou estudante de arquitetura e urbanismo ; e estudando a historia do urbanismo em geral, percebo que é tudo um grande esquema de projeçao política e nada de social, aspectos sustentáveis ou acessibilidade. Posso estar sendo pessimista ou desinformada, mas do ponto de vista legal o que pode ser feito ,já que é um sistema onde muitos visam o lucro e as vantagens próprias e a maioria se mantém indiferente a isso?
É impossível imaginar a civilização atual sem estradas; por meio delas são transportadas as safras agrícolas e os insumos necessários para produzilas, os insumos e produtos industriais, além disso, são as principais vias de transporte de pessoas em curta e média distância, as rodovias também representam um dos maiores males da civilização quanto aos impactos sobre o ambiente natural, causam problemas também, ao próprio meio antrópico.
ResponderExcluirA avaliação de impacto ambiental das rodovias deve incluir todas as fases
no Brasil ainda é incipiente na de operação. Outra questão que não se deve esquecer é a necessidade de desapropriação de áreas e deslocamento de populações rurais e urbanas.
Olá, testando...
ResponderExcluirAna Paula,
ResponderExcluirA história do urbanismo está associada a uma série de conjunções de interesses das elites de plantão. Então, as cidades se constituem como espaços para privilegiados, deixando grande parte da população sem acesso ao que necessita para uma vida digna.
Mas isso deve nos indignar, ao contrário de desanimar. Temos que trabalhar na corrente contrária, na criação e no exercício de políticas que assegurem mais transparência e participação.
Enfim, esse é um longo debate, que temos que fazer permanentemente.
Um beijo,
É, Ricardo! No dia em que os EIAs forem feitos e avaliados de forma séria, podemos ter algumas melhorias nos licenciamentos ambientais. Mas é tudo muito superficial. Temos que aprofundar a utilização de instrumentos como a Avaliação Ambiental Estratégica, porque ela pode dar respostas que o modelo atual de licenciamento não oferece. Por exemplo, a análise do ambiente onde se pretende instalar o empreendimento de forma integral, considerando as atividades já existentes, suas emissões e a capacidade de carga daquele ambiente.
ResponderExcluirEnfim, outro longo debaTE.
uM ABRAÇO,