quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Para órgãos ambientais, a Chevron não causou poluição!!!

Publiquei, há duas semanas, aqui no meu blog, a notícia de que o IBAMA cancelaria a multa aplicada à Chevron por erros primários cometidos pelo agente autuante na sua aplicação.
Fui advertido por alguns leitores de que teria utilizado uma expressão equivocada, eis que afirmei que o IBAMA “cancelaria”, antes que a decisão fosse efetivamente tomada – o que caracterizaria mera especulação da minha parte, “contaminando” a notícia que eu divulgava.
Discordei, apostando que o IBAMA agiria na intenção de assegurar eficácia à sua atuação. Porém, devo reconhecer: errei! O IBAMA não está aí pra ter eficácia, o IBAMA está “trabalhando” para não incomodar mais a base de apoio do governo.
A notícia do meu blog circulou bastante. Saíram matérias no Jornal do Brasil (http://www.jb.com.br/informe-jb/noticias/2011/12/05/erro-pode-fazer-ibama-cancelar-multa-de-r-50-milhoes-aplicada-a-chevron/), no ESTADÃO (http://www.estadao.com.br/noticias/vidae,parecer-aponta-irregularidades-em-multa-do-ibama-contra-chevron,807550,0.htm) e outros sites! No Estadão, a matéria apresenta a fala do superintendente do IBAMA/RJ, que diz que não acolheu o Parecer da Procuradoria Federal Especializada que recomendou o cancelamento da multa, eis que “entende que não há necessidade de laudo prévio, já que isso não estaria expresso em lei.”

Entendendo a Legislação Ambiental
Em 1988, a Constituição Federal definiu a Tríplice Responsabilidade por ações lesivas ao Meio Ambiente, o que significa dizer que uma única ação lesiva sujeita o infrator a três níveis de responsabilidade: civil, penal e administrativa. A Civil, aplicada pelo Judiciário, obriga o causador de um dano a repará-lo, independentemente da comprovação de culpa pelo ocorrido. A Penal, também aplicada pelo Judiciário, tem a intenção de desestimular as práticas ilícitas através da ameaça de aplicação de pena privativa de liberdade ou restritiva de direito. Já a Administrativa, aplicada pelos órgãos ambientais, tem como foco a atuação do Poder Executivo no disciplinamento das atividades utilizadoras do Meio Ambiente, prevendo as sanções de multa, embargo, interdição, apreensão, dentre outras.
A partir daí, surge, 10 anos depois, a chamada Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98) – que estabelece as condutas tipificadas como criminosas, prevendo para cada caso as variações de penas aplicáveis. Mas ela dispõe também sobre as sanções administrativas que, entretanto, necessitam de regulamentação para sua aplicação. Então, no ano seguinte é editado o Decreto nº 3.179/99, prevendo as sanções aplicáveis para diversas violações administrativas, estabelecendo os novos valores de multas – variando entre os R$ 50 e os R$ 50 milhões. Foi com base nesse decreto que a Petrobras foi multada pelo acidente na Baía de Guanabara, em 2000, quando recebeu multa de R$ 51.050.000,00 por três distintas violações no mesmo acidente.
Em 2008, o Decreto nº 3.179/99 foi revogado e, em seu lugar, foi editado o Decreto nº 6.514/08 – que passou a disciplinar as condutas caracterizadas como infracionais ao Meio Ambiente. Ressalte-se que estes dois decretos são tradicionalmente utilizados pelo IBAMA em todas, repito, em todas as suas autuações.
Uma coisa é falar da Lei de Crimes Ambientais e outra coisa é falar da Lei do Óleo.
A multa aplicada à Chevron pelo IBAMA tem como base o Decreto nº 4.136/02, que, por sua vez, regulamenta a Lei nº 9.966/00 – chamada Lei do Óleo e que disciplina as atividades relacionadas à extração, ao transporte e à manipulação de petróleo e outras substâncias oleosas. A fim de contextualizá-la, é importante lembrar que essa lei foi aprovada em 2000, no auge do clamor público por providências para a responsabilização da Petrobras pelo acidente na Baía de Guanabara, quando vazaram 1,3 milhões de litros de óleo do Terminal da Ilha D’Água. O Congresso Nacional se concentrou no esforço e conseguiu aprovar uma lei para ordenar as atividades relacionadas ao petróleo.

Entendendo o caso
A Chevron, na operação da exploração de petróleo no Campo do Frade, na Bacia de Campos, deixou vazar centenas de barris de petróleo por algumas semanas, tendo seu início em 07 de novembro deste ano. De acordo com notícia veiculada pela imprensa, o laudo da Marinha e IBAMA aponta um vazamento entre 222 mil e 367 mil litros de petróleo (http://economia.estadao.com.br/noticias/economia,vazamento-da-chevron-provocou-dano-ambiental-grave-diz-ibama,95012,0.htm ).
Portanto, a Chevron está sujeita aos três níveis de responsabilização.
Para a Responsabilidade Civil, o MPF instaurou inquérito para a apuração das responsabilidades e para a definição da dimensão do dano. Mesmo sem ser especializado na questão ambiental, o MPF chegou a alguma conclusão e entrou com Ação Civil Pública requerendo a reparação de danos ambientais na ordem dos R$ 20 bilhões!!! Isso mesmo, o MPF pede à Justiça que condene a Chevron a pagar R$ 20 bilhões em reparação de danos socioambientais (http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias/0,,OI5518531-EI306,00-MPFRJ+pede+que+Chevron+pague+R+bi+por+vazamento.html).
No âmbito da Responsabilidade Criminal, a mesma coisa. Ou seja, o MPF abre o inquérito criminal e conduz as investigações para apurar as responsabilidades. Neste caso específico, foi a Polícia Federal quem instaurou o inquérito e, assim como o MPF, ou seja, sem possuir competência especializada no assunto, já chegou a uma conclusão e indiciou a Chevron, a Transocean e mais 17 pessoas, dentre dirigentes e operadores das petroleiras (http://www1.folha.uol.com.br/mercado/1024863-pf-indicia-chevron-e-mais-17-por-vazamento-de-oleo-na-bacia-de-campos.shtml).
E no âmbito administrativo, o IBAMA deveria atuar no sentido de apurar as circunstâncias do acidente, com a elaboração de laudo que sirva para a aplicação da multa, mas que também serve de embasamento do MPF e da PF nos inquéritos civil e criminal.
A violação principal é nítida e transparente no texto da Lei e do Decreto:

Lei nº 9.605/98
Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:
Pena: reclusão, de um a quatro anos, e multa.
Decreto nº 6.514/08
Art. 61. (mesmo texto do art. 54)
Multa de R$ 5000,00 a R$ 50 milhões

O artigo seguinte do decreto ainda possui a determinação de que “incorre nas mesmas multas quem lançar resíduos sólidos, líquidos, ou gasosos ou detritos, óleos ou substâncias oleosas em desacordo com as exigências estabelecidas em leis e regulamentos”.
Porém, o IBAMA resolveu aplicar multa à Chevron por infração à Lei do Óleo, nos termos do art. 36, do Decreto nº 4.136/02, na forma abaixo:

“Art. 36.  Efetuarem os navios ou plataformas com suas instalações de apoio a descarga de óleo, misturas oleosas e lixo, sem atender as seguintes condições:
I - a situação em que ocorrer o lançamento enquadrar-se nos casos permitidos pela MARPOL 73/78;
II - o navio ou a plataforma não se encontrar dentro dos limites de área ecologicamente sensível, conforme representado nas cartas náuticas nacionais; e
III - os procedimentos para descarga por navio e plataforma com suas instalações de apoio sejam aprovados pelo órgão ambiental competente.”

Conforme publiquei anteriormente, a Procuradoria Federal Especializada do IBAMA elaborou parecer jurídico no qual aponta vícios no procedimento de aplicação da multa, recomendando seu cancelamento para fins de aplicação de nova autuação, com as devidas correções. Porém, o superintendente do IBAMA/RJ afirmou que irá manter o auto, pois não concorda com os argumentos de sua Divisão Jurídica.


Perguntas que não estão respondidas

1- Porque a Chevron não foi multada até hoje por poluição?
O IBAMA, por diversas vezes, anunciou que multaria a Chevron por poluição, mas até agora – passados mais de 45 dias do acidente – nada fez nem explicou. (http://www2.camara.gov.br/agencia/noticias/MEIO-AMBIENTE/206121-IBAMA-DEVE-APLICAR-MAIS-MULTAS-A-CHEVRON-POR-VAZAMENTO-DE-OLEO.html, http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2011/11/30/ibama-pode-multar-novamente-a-chevron)
O Secretário do Ambiente do Rio, Carlos Minc, diante da inoperância do IBAMA, assumiu a frente do processo e anunciou várias medidas (http://noticias.uol.com.br/cotidiano/2011/12/05/governo-do-rio-e-ibama-anunciam-novas-acoes-contra-chevron.jhtm):
- Cobraria os custos para a promoção de um monitoramento ambiental completo sobre a área de exploração. Pois bem, esses custos devem ser arcados pelas operadoras e já são uma obrigação legal que não se aplica a ninguém. Vamos conferir se acontece pela primeira vez;
- Cobraria a realização de auditoria nos sistemas de operação da Chevron. Porém, essa já é uma obrigação da empresa, nos termos da Lei do Óleo. Se ela não cumpriu, deveria ter sido multada por isso;
- Entraria com uma Ação Civil Pública pedindo R$ 100 milhões, conforme anunciou em 21/11/2011 (http://www1.folha.uol.com.br/mercado/1009943-rio-quer-receber-r-100-mi-da-chevron-como-indenizacao.shtml).
Porém, no dia seguinte que publiquei no meu blog que o IBAMA cancelaria a única multa até agora aplicada, o Secretário Minc convocou uma coletiva de imprensa para dizer de novo o mesmo. A única informação diferente, dada com o superintendente do IBAMA/RJ a tiracolo, foi a de que – a partir de então – passaria a exigir R$ 150 milhões, tendo em vista as informações constantes no laudo feito pelo IBAMA!!! (http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2011/12/minc-diz-que-vai-entrar-com-acao-de-r-150-milhoes-contra-chevron.html)
Mas aí surge outra pergunta: se o IBAMA tem laudo sobre os danos ambientais, porque não aplicou a multa ambiental?
Bem, independente disso, passados de 15 dias desde que anunciou pela segunda vez que ingressaria com uma Ação Civil Pública, o fato é que até agora a promessa ficou no vazio!!!
Em vista do descumprimento das promessas dos órgãos competentes (?!?!), o MPF e a PF acabaram tendo que atuar na lacuna deixada pelos órgãos ambientais.

2- O IBAMA não vai cancelar a multa de R$ 50 milhões aplicada com erros à Chevron?
Falei por telefone com o superintendente do IBAMA/RJ, que me confirmou o que saiu publicado no Estadão, ou seja, que não vai cancelar a multa. Disse que na Lei do Óleo não fica claro se precisa ou não de um laudo prévio. Indaguei porque não esperaram um dia a mais, quando o laudo ficaria pronto, para aplicar a multa e não correr riscos. E ele informou que foi decisão do presidente do IBAMA, que veio ao Rio com essa finalidade, acompanhado do agente que faria a aplicação da multa.
O superintendente do IBAMA/RJ afirmou que está errada a informação que veiculei de que a Coordenação Geral de Petróleo e Gás do IBAMA não tenha mais fiscais para autuar as petroleiras, mas não soube dizer porque não foram, então, esses fiscais que atuaram no caso.
Portanto, o IBAMA não vai cancelar a multa já aplicada, mesmo com a recomendação de sua Procuradoria Especializada. Bastava cancelar e, ato contínuo, aplicar nova multa com a correção dos erros indicados pelos procuradores.
Então, se a Chevron já está dando braçadas no mar de óleo que atolou a atuação dos órgãos ambientais no que se refere à comprovação da poluição ambiental, parece que vai ter a mesma facilidade no processo administrativo da única multa aplicada pelo IBAMA. Isso porque, antes mesmo dela apresentar sua defesa, ela já encontra o registro formal da desarmonia política, legal e administrativa do próprio IBAMA!!!
Quando a autoridade política do órgão está em conflito com sua procuradoria, como visivelmente está acontecendo no IBAMA/RJ, a procuradoria ou a autoridade deve ser substituída, sob risco de comprometer a eficiência do órgão e a eficácia dos seus atos.
A não ser que o objetivo seja esse mesmo, isto é, desmoralizar o IBAMA da forma como tem acontecido ultimamente. É, pode ser!

3- A Chevron poluiu?
Bem, pelo que consta dos inquéritos da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, a Chevron poluiu. Afinal, os dois ingressaram com as Ações Criminal e Civil Pública, respectivamente.
Porém, pelo comportamento dos órgãos ambientais envolvidos, a Chevron não poluiu. Ou melhor, o IBAMA e o INEA não foram capazes de constatar poluição, afinal não encontraram animais mortos ou vegetação atingida pelo óleo.
A Chevron afirma que não poluiu, eis que adotou os sistemas de atendimento à emergência com eficácia. Mas os órgãos correram em afirmar o contrário, acusando a petroleira de ocultar informações, manipular dados e etc.
Mas a verdade é que, poluindo ou não, a atuação dos órgãos ambientais demonstrou sua completa falta de capacidade em agir nas emergências ambientais, exigindo das autoridades um malabarismo de promessas vazias, afirmações subjetivas e divulgações de divagações...
Com essa total letargia dos órgãos ambientais, que se encontram abatidos pela avalanche de agressões que vêm sofrendo pelos parlamentos, pelos poderes executivos e pelo capital tupiniquim e transnacional, começa a ganhar força a versão da Chevron de que tudo está sob controle e de que o vazamento não provocou danos ao meio ambiente. E se ninguém provar o contrário, vai ficar tudo como está.
Ou seja, já sinto o cheiro de pizza de hidrocarbonetos, embalada em papelão de marca IBAMA/INEA.

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