Em decisão unânime, o STF acolheu ação movida pela Procuradoria Geral da República contra a repressão às já tradicionais Marchas da Maconha que acontecem há pelo menos sete anos nas principais capitais brasileiras. As manifestações vinham sendo impedidas por decisões judiciais estapafúrdias, que alegavam a ocorrência de "apologia ao consumo e ao tráfico de drogas". A última delas, em São Paulo, foi reprimida com bombas de gás, cassetetes e balas de borracha, deixando inúmeros manifestantes feridos.
No Rio de Janeiro, como nosso governador gosta do tema e conta, ainda, com o secretário Carlos Minc dentre seus principais assessores, as marchas correram tranquilas, fora pequenos desvios isolados.
Eu soube da referida ação quando estive no debate promovido pelo Circo Voador há cerca de duas semanas. Quem me falou sobre ela foi o André Barros, amigo de lutas libertárias, que se consagrou como advogado de diversas pessoas que foram presas por porte e/ou acusadas de tráfico de drogas. Ele e outros poucos, mas aguerridos advogados, elaboraram a representação à Procuradoria da República, que acatou seus argumentos e ingressou com a ação.
Os oito ministros do Superior Tribunal Federal votaram em favor da legalidade da Marcha da Maconha e da Marcha pela Liberdade no julgamento que ocorreu nesta quarta-feira, 15 de junho, em Brasília.
O ministro Celso de Mello, relator da ação que pede a liberação de manifestações como a Marcha da Maconha, entendeu que os eventos são legais e não fazem apologia ao consumo de drogas.
Em seu voto, o ministro do STF defendeu que o Estado tem a obrigação de proteger a liberdade de reunião e de expressão e que jamais deve interferir nesses direitos, garantidos pela Constituição, para atender a interesses oficiais ou privados.
“A questionada e tão reprimida Marcha da Maconha é a evidência de como se interconectam os direitos constitucionais, todos merecedores do amparo do Estado. As autoridades, longe de transgredi-los, tinham que protegê-los, mostrando tolerância e respeito por quem está em espaço público pretendendo transmitir mensagem de abolicionismo penal”, afirmou Celso de Mello.
Celso de Mello afirma ainda que, “no caso da Marcha da Maconha, não há enaltecimento do porte para consumo e do tráfico de drogas ilícitas, que são tipificados na vigente Lei de Drogas. Ao contrário, resta iminente a tentativa de pautar importante e necessário debate das políticas públicas e dos efeitos do proibicionismo”.
Para o ministro, é livre a manifestação do pensamento sobre qualquer assunto, respondendo cada um, da forma legal, pelos danos que cometer. “Nada se revela mais nocivo e perigoso que a pretensão do Estado de reprimir a liberdade de expressão, principalmente de ideias que a maioria repudia. O pensamento deve ser sempre livre”, resumiu.
Mello também afirmou que a polícia não tem o direito de intervir em reuniões pacíficas e lícitas em que não haja lesão ou perturbação da ordem pública. “Longe dos abusos que têm sido perpetrados pelo aparato policial, é preciso adotar medidas de proteção aos participantes, os resguardando das tentativas de oficiais e particulares de desmanchá-las.”
Já estavam em curso os preparativos da Marcha pela Liberdade - que questionaria exatamente as decisões judiciais monocráticas, isto é, tomadas por um único juiz, que decidiram pela proibição das manifestações que, a rigor, defendem uma nova política para as drogas. A data para as manifestações da Marcha pela Liberdade está marcada para o dia 18 de junho - o que coincide com a grande carnaval promovido pelos blocos cariocas em defesa das Florestas brasileiras e contra o texto do Código Florestal aprovado pelo Congresso Nacional. Porém, com essa decisão do Supremo, eu acredito que a galera vai querer transformar essa data numa nova Marcha da Maconha - que se realiza tradicionalmente no dia 07 de maio.
Viva a Liberdade de Expressão, o Livre Arbítrio, viva a Indignação, a rebeldia e a tolerância.
Agora, a Marcha é Livre dos arbítrios daqueles que morrem de saudades da Ditacuja!!!
Todos pela Liberdade, todos pelas Florestas. Dia 18 é dia de lutas!
Quando sair publicada a decisão, vou postar aqui no blog. Sem dúvida alguma, sua leitura é uma aula sobre liberdades e democracia.
Enquanto isso, deixo um artigo que publiquei no O GLOBO, em 2008, que fala sobre proibição e legalização. Observem que, apesar de seus três anos desde a publicação, o artigo continua atual.
A droga da hipocrisia
Rogério Rocco
O tráfico de drogas é crime desde o advento do Código Penal de 1940. Porém, o porte para consumo pessoal passou a ser considerado crime a partir da edição de um malfadado decreto-lei, em 26 de dezembro de 1968, treze dias após a decretação do AI-5. Ou seja, a transformação do usuário de drogas em criminoso é um dos absurdos produzidos no auge da ditadura, de forma autoritária e ilegítima. Porém, passados 40 anos do ocorrido, o Congresso Nacional não teve coragem suficiente para derrubar esta aberração.
Veio a anistia, voltou a democracia, retomamos a liberdade de imprensa, vítimas da repressão estão sendo indenizadas, dentre outros feitos que mudaram o cenário brasileiro. Mas com relação à política de drogas, o Congresso optou pela hipocrisia – que tem apoio na opinião pública.
Em 2007, houve um crescimento de mais de 700% nas apreensões de comprimidos de êxtase pela Polícia Federal no Brasil, em comparação ao ano anterior. Os dados de 2008 ainda não foram finalizados, mas já se registram as maiores apreensões isoladas da mesma droga – o que comprova o crescimento exponencial deste tipo de consumo em nosso país. No mundo, o consumo de êxtase e anfetaminas – que são drogas sintéticas, produzidas em laboratórios, já supera o consumo de cocaína e heroína – velhas conhecidas de todos.
O aumento do consumo das novas drogas aponta não apenas a mudança do perfil do usuário, mas também indica as novas modalidades de produção – com tecnologias bastante avançadas – e, ainda, de comércio – envolvendo uma diversidade muito grande de distribuidores. Portanto, aumentando a variedade de drogas, o universo de consumidores, as ciências da produção e a capilaridade da distribuição, temos a equação que comprova a expansão da economia das drogas em todo o Planeta.
À margem de todo esse processo, temos uma lenta e vagarosa evolução da legislação brasileira que estabelece as políticas sobre drogas. E a lentidão das mudanças na legislação, em contraponto à velocidade da evolução das atividades relacionadas à produção, distribuição e consumo de drogas, acaba produzindo resultados expressivamente inócuos, seja no combate aos ilícitos, seja no tratamento de dependências ou na redução de danos.
Alguns têm apregoado que a Lei 11.343/06 – que instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas não prevê mais a prisão do usuário de drogas. Não é bem assim! O que mudou foram as penas aplicadas, que deixaram de ser privativas de liberdade, para se transformarem em restritivas de direitos. Mas ainda é crime o porte de drogas para consumo próprio.
É notória cada vez mais a necessidade de trabalhar uma política de legalização gradual dos processos que envolvem a produção e o consumo de drogas. Mas se temos um Legislativo covarde até para reverter um ato da ditadura de 40 anos atrás, o que dizer de uma reflexão mais aprofundada do tema. É a declaração de vitória do crime sobre a suposta guerra contra as drogas.
Rogério Rocco é advogado e Mestre em Direito pela UERJ
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