sábado, 4 de fevereiro de 2023

Cambalhotas no Camboatá

A saga e a sátira dos bastidores da análise governamental do pedido de licenciamento ambiental para a construção do Novo Autódromo na Floresta do Camboatá 

Foto by @GustavoPedro

E lá fomos nós pra mais uma reunião para defender a Floresta do Camboatá! Naqueles tempos de pandemia, "lá fomos nós" era quando a gente ia até o computador e/ou celular para algum compromisso assim mais duradouro. Mas falar isso pra quem não está inserido no movimento não dá a real dimensão do "lá fomos nós para mais uma reunião". Porque a última, a última reunião, ela começou às 19hs de uma sexta-feira e terminou às 5hs da manhã de sábado. É uma verdadeira balada que vc se prepara pra ir na sexta à noite, sai na missão e gasta energia, consome álcool, às vezes mais, e volta pra casa de manhã esgotado. Consome álcool??? Porra, pra aturar umas figuras, só no grau. Tava todo mundo participando de casa. Mais de mil pessoas conectadas na audiência pública. Quem podia imaginar que ia durar até 5hs da manhã? Nesse tempo, vc comeu, bebeu, cochilou, levantou, assistiu um vídeo do Porta dos Fundos... Quem aguentaria 10hs sentado de frente a uma tela?

Participar de um movimento como o SOS Floresta do Camboatá também não é simples. Porque você tem que abrir mão do descanso, do lazer, dos filhos, dos pais, enfim, de tantas e diversas outras coisas que vc poderia estar fazendo, como não fazendo nada, por exemplo. Mas você se compromete com uma causa pelo que há de mais forte na existência que é o amor à natureza, o amor ao próximo, o amor aos iguais e aos diferentes! A Floresta de Camboatá reuniu uma imensa legião de defensores. Pessoas que se movem pelos ideais e não por interesses escusos, pessoas do entorno e dos outros locais. Há muitos que vivem nos seus entornos imediatos e muitos mais em toda Zona Oeste da Cidade. Mas o Movimento estava em toda a Cidade. A Floresta do Camboatá está na Lei Orgânica, no Plano Diretor e nas pautas do Conselho de Meio Ambiente da Cidade - CONSEMAC. Mas o Camboatá foi abraçado para fora dos limites territoriais, através das redes sociais, que atraíram para o movimento pessoas de outros estados e também de outros países mundo afora. O Camboatá entrou na pauta da Greve Mundial pelo Clima! Olha que responsa!

Bem, fomos lá! E pra variar, suspense até a hora de começar. O INEA tinha publicado uma nota em seu site avisando da reunião e de sua pauta, colocando o endereço do Youtube no qual seria transmitida. Mas depois essa parte do Youtube foi subtraída sem qualquer explicação e surgiram rumores conspiratórios de que teria sido ordem do governador para suspender. Teorias conspiratórias são muito comuns em casos como esses, especialmente porque o cenário é o Estado do Rio de Janeiro e o Rio não é para principiantes. Ou é, já não sei dizer!

Na hora da reunião, quando já se achava que não seria liberado acesso, eis que pá... chegaram os convites com o link da sala. Bom, diferente da audiência pública, essa reunião não era aberta para fala de qualquer um. Só os conselheiros. A maioria sabia disso, eu suponho, mas acho que não! Só pensando aqui. Entraram acho que mais que 150 pessoas. Foi a maior participação na história da CECA, disse o Maurício Couto, o presidente da Comissão e quem conduziu a reunião. Mas assim, do nada, a galera chegando na reunião e tal... E vem um grito:

- Falei que ia dar merda! Vamos entrar todo mundo para derrubar"!

Mano, eu rachei de rir. Mal começou a reunião, o presidente não tinha nem feito as honras e a mulher entra pregando a revolução... Quem foi que falou essa porra?, indaguei pra mim mesmo enquanto gargalhava solitário em frente minha tela naquele ambiente público. Alguém escreve aí nos comentários, por favor! Dá pra escrever sem se identificar! Ou fala comigo no privado. Eu quero entrar nesse movimento também. Derrubar a porra toda! Bom, ninguém se animou e o assunto não entrou na pauta, mas mereceu a reprimenda do presidente com a lembrança de que não seria permitido o uso da palavra pelas pessoas que, como eu, não são membros da CECA. O que é correto! A moça não retrucou, levando a crer na aceitação de que a proposta por ela encaminhada não teve adesões e que ela deveria respeitar a vontade da maioria! Revolução cancelada para a próxima sessão!

Bem, o presidente fez as premissas necessárias e encaminhou para apresentação do parecer pela equipe técnica, formada por cinco servidores de carreira do INEA. São Analistas Ambientais que entraram no órgão por concurso. Não conheço pessoalmente nenhum deles, mas me tornei um admirador, porque foram cirúrgicos na análise de 192 páginas de seu laudo - que teve naquele dia uma retumbante conclusão pelo INDEFERIMENTO do pedido de licença. Foi assim bem estiloso mesmo, com pedido de registro em ata. Ah, tá... Sei lá, eu não entendi! 

Estava ali sinalizado que algo aconteceu. Mas a gente nunca sabe direito se não estava no meio da situação. Você entra num ambiente às vezes e sente os climas. Climas bons e ruins. Os climas. Rolou meio um climinha, nada assim definitivo. Aí o presidente chama a Procuradora-Chefe do INEA, Dra. Vanessa Reis. Ela começou dizendo algo sobre o fato de apenas agora a equipe técnica ter se manifestado de forma conclusiva, diferente do que consta no parecer que foi enviado a ela. 

Bom, aí eu tenho que abrir um parênteses.

Naquele dia teve uma matéria no Globo apontando que servidores do INEA revelaram ter sofrido pressões para se manifestarem favoráveis ao projeto. A matéria revela uma informação que já tinha chegado até nós de que a equipe técnica teria sido obrigada a retirar o parágrafo no qual concluíam pelo INDEFERIMENTO do projeto e substituí-lo por um de encaminhamento inconclusivo à Procuradoria do INEA. E isso aconteceu. E a Procuradora-Chefe juntou um parecer jurídico no qual ela alega, entre tantas coisas, que é uma sobrecarga excessiva depositar sobre o empreendedor a responsabilidade exclusiva de produzir as informações relacionadas ao EIA/RIMA do seu empreendimento. Eu não entendi muito bem, mas deixa pra lá. Não é disso que eu vim falar.

A Procuradora então seguiu falando que mantinha a posição que adotou no seu parecer jurídico, porque quando ela analisou o parecer técnico não tinha manifestação conclusiva! Eu ficava lendo os comentários que passam enquanto as pessoas falam. É um termômetro sobre os índices de paciência dos participantes. Sempre tem aqueles dois ou três de pavio curto, que logo saem esculachando geral. Eles são um primeiro alerta de que as coisas podem não estar indo bem. Quando começam a repetir algumas expressões, isto é, quando pessoas diferentes começam a dizer as mesmas coisas, é sinal de que a temperatura subiu. E aí começou a aparecer mensagens tipo "mas agora TEM manifestação conclusiva" de montão. Aí, isso induz você. É o tal efeito manada... então você vai lá e escreve também "AGORA JÁ TEM O PARECER CONCLUSIVOOOOO". Coloca grande que é pra ver se ela enxerga. Pô, se agora mudou, porque vai fazer birra e pá "eu mantenho minha posição"?

Mas ela fundamentou. Eu sei lá, acho que estava meio distraído e não entendi muito bem o que ela tava falando. Não tenho como reproduzir. Mas daqui a pouco começaram a surgir no chat um monte de pergunta "gente, do que ela tá falando"... pronto. Efeito manada!

O Procurador da PGE, Dr. Leonardo Quintanilha, discordou da ilustre colega. Bingo! Tem algo acontecendo, todos os sinais estão dados. O Procurador fez 284 questionamentos técnicos e terminou lacrando: bem, acho que por enquanto é isso! O Presidente não deixou barato: ainda bem que é só isso, né doutor!

Mano, cadê a mulher que ia derrubar a porra toda antes do início? Chama ela pra botar esses caras pra se entenderem dentro do governo antes de vir assim em público. Não, chama não! Deixa rolar!

Falou um por um na primeira rodada com o encaminhamento que o Presidente deu depois dessas primeiras falas. Tem uns caras que entraram recentemente, primeira reunião. A equipe técnica fez uma exposição impecável. Todo mundo reconheceu. Estão de parabéns! E concluíram pela INVIABILIDADE do projeto. Porra, uns caras que chegaram agora, primeira reunião e pegam um tema desses, com uma exposição invejável da equipe técnica... vai dizer o que? Nada! O presidente passava a palavra e perguntava, conselheiro, tem alguma dúvida, quer fazer alguma pergunta, um questionamento? Várias respostas foram NÃO! Tá certo, não tem como ter dúvida.

Aí o Presidente passa a palavra ao empreendedor! Ué, eu estranhei. Mas eu não sei como funciona a CECA, só agora eu comecei a assistir. Não sei se é comum levar o empreendedor pra falar na reunião. Mas tudo bem. Bom, eu confesso que meu santo não bateu com o daquele homem. Eu não gosto do que ele defende, porque ele quer devorar a floresta. Mas nem o conheço. Quer dizer, o pessoal circulou matérias sobre outras empreitadas dele e pá... efeito manada! Já tô eu influenciado por isso quando olho e escuto esse cara.

Mas sei lá, hoje eu achei que ele estava fazendo um estilo conquistador latino, pronto pra conquistar as Américas. Puro preconceito meu, eu admito. A gente cria cisma com as pessoas. Quem aí não criou? Levanta a mão! A gente não pode definir uma pessoa pela aparência!

Tá legal, mas, mano, alguém também sacou na hora que ele tava falando... ele tava fumando. Por certo não era maconha, porque ele é uma pessoa de bem. Mas alguém notou que entrou uma musiquinha assim de fundo? Alguém mais ouviu isso ou eu tô doido? Era a música do Marlboro? Aquela música do assobio... cara, não pode ser, é Terra de Marlboro! 

Vocês lembram disso? Putz, não tem programação melhor do que uma reunião como essa. Tem até fundo musical da propaganda do Marlboro. Faz pipoca, pega um guaraná e abre a tela!

Bem, foi à votação! 

Aí foram votar se todos achavam que dava pra votar hoje ou não! Cara, não entendi. Ou vota ou não vota, mas não se vota se deve se votar, porque, porra, é muito esquisito. Quando foi votar isso, confirmou na minha cabeça. Tem angu nesse caroço! Eles estão trocando códigos governamentais que eu não saquei. Vamos ver então como o pessoal vai votar. Entrou em regime de votação. Então, o Presidente perguntou se os conselheiros entendiam que havia condições de deliberar ainda naquele dia. Resultado: 10 acharam que tinham condição de decidir e 03 disseram que não. Foi então à votação e o Presidente encaminhou uma confusão: Proposta 1 era o INDEFERIMENTO do pedido, com base no irretocável parecer técnico e nas manifestações do Procurador, da Conselheira da UERJ Nena Bergallo e do Conselheiro Luiz Carneiro, do CREA; a Proposta 2 era pela complementação dos estudos, com base no parecer da Procuradora da época na qual ela recebeu um parecer técnico que não tinha o parágrafo da conclusão (coisa que se resolve com um despacho interlocutório) - mas que ela não mudava, mesmo sabendo que agora o Parecer Técnico é conclusivo em apontar a absoluta INVIABILIDADE do projeto no local denominado Floresta do Camboatá!

A Procuradora, então, à qual competem assuntos de ordem jurídica, discorda de uma equipe técnica altamente qualificada, que elaborou um Parecer Técnico de 192 páginas, com uma conclusão expressa pela INVIABILIDADE TÉCNICA do projeto e, só porque na versão que enviaram para ela não tinha um parágrafo de conclusão e apesar de agora ter, só agora, só por isso, resolve exigir complementações técnicas que ela não avaliará, porque não conhece do assunto e que terá que ir para as mãos da equipe técnica que hoje se manifestou com o entendimento de que não há nenhum complemento de informação que possa alterar o fato de que legal e tecnicamente o projeto é inviável na Floresta do Camboatá? Será isso tudo assim tão à toa? Será? Mas é claro, que não. Ou não? É aquilo que falei lá no início. Tem mato pra cachorro!

Bem, mas foi isso. Aí foram votar. O Procurador fez uma defesa fantástica do voto! Todo mundo vibrava no chat o nome de Quintanilha! Todos na torcida! O Procurador selou o fim do projeto! Absolutamente inviável! Defesa impecável também! Só não teve aplausos por causa do isolamento social! Senão, estaria nos braços do povo! 

Aí voltou pro Presidente, para passar para o próximo conselheiro votar. E do nada, ele interrompe: Humm, peraí... Ah, tá! O empreendedor quer falar!

O quequéisso, Presidente? Pode isso, Arnaldo? Em regime de votação, o empreendedor que não faz parte da Comissão, pode interromper pra se manifestar? Não, Casão,  diria o Arnaldo para o Casagrande, explicando que quando entra em regime de votação não tem mais questão de ordem, de encaminhamento, de esclarecimento, de porra nenhuma! Ainda mais de alguém que nem faz parte da comissão e que é interessado direto na matéria e teve seu tempo para defender suas ideias. E ele foi falar que discordava do Procurador, que ele não teve acesso ao parecer técnico e sei lá mais o que. E o Presidente ainda vira pro Procurador e pergunta: o senhor quer mudar o seu voto depois dos esclarecimentos do empreendedor. Gente, foi isso mesmo! Pode ir lá assistir quem não viu. Estava em regime de votação e o cara interrompeu para discordar do voto do Procurador. Porra, quem não conhece o Rio, aqui é 021!

Bom, aí eu taquei o chinelo no lepitopi e ele caiu. 

Eu escutei eles tudo votando. Aqueles caras que entraram agora na primeira reunião, coincidentemente nas vésperas da reunião da CECA que decidiria sobre o pedido de licenciamento ambiental do Novo Autódromo sobre a Floresta do Camboatá, aqueles mesmos que disseram que não tinham nenhuma dúvida sobre as informações e a manifestação apresentada pela equipe técnica que analisava esse processo há mais de dois anos, eles votaram contra o Parecer Técnico do INEA e a favor do pedido de complementação de informações que a Procuradora fez quando ela recebeu aquele parecer inconclusivo e que não quis mudar porque só agora a equipe técnica concluiu pelo INDEFERIMENTO do pedido. 

Foi 11 a 3. Não preciso dizer qual teve onze votos e qual teve três, né? Até o Presidente do INEA à época, João Eustáquio, que havia assumido o cargo dias antes! Ele votou pra exigir mais estudos para a equipe técnica do INEA que expressamente já havia informado ter acessado todo tipo de informação sobre o projeto e a área. Na primeira votação, o Presidente do INEA me deixou mais confuso ainda. Ele disse que votaria na proposta de que não havia condições de votar naquele dia, mas como vários já tinham votado e estava ganhando a proposta de que havia condições de votar no dia, ele resolveu votar na proposta de que havia condições de votar. Entenderam? Eu também não. Mas se eu entendi direito, é mais ou menos dizer que votaria no Crivella pra prefeito, mas como todo mundo tava votando no Paes naquelas eleições, ele também votaria no Paes. Enfim, acho que faz sentido. Eu é que já estou meio cansado e fico tendo confusões mentais.

Mas, afinal, aprovaram que o INEA pediria complementação dos estudos e realização de nova audiência pública para analisar um Parecer Técnico que já concluiu que, definitivamente, o projeto é inviável de ser implementado na Floresta do Camboatá, independentemente de quaisquer conclusões que eventualmente sejam juntadas ao processo.

Eu sou testemunha de que isso tudo aconteceu. Mas quem conta um conto aumenta um ponto, não é mesmo? O fato é que o Eduardo Paes prometeu, na campanha eleitoral de 2020, que não mais faria o projeto do Novo Autódromo na Floresta do Camboatá se eleito fosse. Ele mesmo que, em sua primeira gestão, por conta das obras para as Olimpíadas de 2016, demoliu o Autódromo de Jacarepaguá e prometeu construir o Novo Autódromo na Floresta do Camboatá! Coméquié? É isso mesmo, prometeu que ia fazer nas eleições de 2008 e prometeu que não ia fazer nas eleições de 2020.

Ele não é bobo, bicho! Ele viu a força do Movimento SOS Floresta do Camboatá! 

E a Floresta ficou! 

 

 

 

7 comentários:

  1. Eu estava nessa audiência virtual.
    A floresta FICOU

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Pois é, fomos firmes e fortes! A sociedade venceu e a Floresta ficou!

      Excluir
  2. Muito bom! Parabéns.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado, Walcacer! Uma grande honra receber suas saudações!

      Excluir
  3. Muito bom. Sei quem foi autora da fala “golpista” sem saber que o microfone estava aberto kkkk

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Hahaha... pede pra ela fazer um comentário por aqui... o blog aceita comentários anônimos!

      Excluir
  4. Excelente o relato, professor.
    Na época eu trabalhava no INEA, mas não na parte de licenciamento.
    A verdade é que grande parte do pessoal do órgão era contra a intervenção, mas devido ao grande número de cargos comissionados pouco poderiam fazer. Conversas de corredores eram constantes porque a pressão sobre o analistas eram de conhecimento geral. Não à toa mudaram, não só os analistas, como o chefe o setor.
    O clima era de tanta instabilidade que até a Ouvidora do INEA se informava no grupo de whatsapp com o MP.
    Quanto ao Quintanilha, era o procurador da SEAS e por isso tivemos pouco contato, mas um amigo em comum nos apresentou uma vez. Apesar do pouco contato era notável a vocação e interesse, diferente da procuradora destinada a autarquia...
    Por fim, para que não reste dúvidas, muitas coisas parecem sem sentido, mas nada é por acaso.
    No fim, como apresenta o relato, o bem venceu e a floresta ficou.

    ResponderExcluir