As diretrizes do desenvolvimento da Cidade
A Cidade é um ambiente que sofre constantes intervenções que têm ou deveriam ter o objetivo de adaptar o ambiente natural às necessidades e vontades humanas. É um modelo que vem sendo construído no Brasil há pouco mais de cem anos, mas que ganhou força a partir da década de 1930.
A urbanização no Brasil foi um processo forjado com a decisão de alternar o modelo de desenvolvimento brasileiro de uma economia eminentemente agrário-exportadora para um modelo urbano-industrial. Portanto, a Cidade vai se constituindo em paralelo ao processo de industrialização que, por sua vez, teve na indústria automobilística um de seus principais referenciais.
O crescimento urbano no Brasil tem seu auge na década de 1970, quando as cidades começam a experimentar as conseqüências de um desenvolvimento sem planejamento e com parâmetros relativamente equivocados. A partir de então, começam as pressões para a construção de políticas públicas para as cidades.
Na atualidade, temos os mecanismos legais reivindicados desde décadas atrás para o planejamento do desenvolvimento local. Além de normas gerais federais, como do Parcelamento do Solo (Lei nº 6.766/79) e o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01), temos as leis orgânicas e os planos diretores municipais – responsáveis pelo conjunto de princípios, diretrizes e fundamentos que regem o desenvolvimento daquela localidade.
É, portanto, com base nesses instrumentos legais, instituídos com o objetivo de ordenar o pleno desenvolvimento da Cidade em bases sólidas de planejamento, com garantias de participação efetiva da sociedade, que devemos construir e avaliar as políticas públicas, eis que ditas normas são comandos que vinculam o administrador municipal.
A Cidade sustentável é aquela que atende plenamente às necessidades das atuais gerações, sem comprometer as mesmas condições para as futuras gerações.
O Plano Diretor Municipal do Rio de Janeiro foi recentemente aprovado, revogando a versão em vigor desde 1992. Por meio da Lei Complementar nº 111, de 01.02.2011, o novo Plano determina que “a política urbana do Município tem por objetivo promover o pleno desenvolvimento das funções sociais da Cidade e da propriedade urbana” mediante diretrizes, tais quais os incentivos ao transporte público de alta capacidade, menos poluente e de menor consumo de energia.
O novo Plano Diretor também prevê a elaboração de um Plano Municipal Integrado de Transportes e a regulamentação do sistema de transporte público de passageiros. E a intenção é exatamente de se ter uma reflexão sobre o futuro da cidade e os projetos para demandas de transporte para uma população que vem crescendo.
Quando dispõe sobre a Política de Transportes, o novo Plano estabelece como um de seus objetivos, “vincular e compatibilizar o planejamento e a implantação de infraestrutura física de circulação e de transporte público às políticas e diretrizes de planejamento contidas no Plano Diretor”. Dentre as diretrizes da Política estão as de aproveitamento do potencial hidroviário e diminuição do efeito da emissão de gases poluentes.
Os efeitos positivos e negativos de intervenções no sistema viário promovidas pelos projetos em questão serão sentidos por muito tempo na Cidade, haja vista que são intervenções estruturantes. Deveriam, portanto, constar dos planos previstos no ordenamento que planeja o desenvolvimento da Cidade de forma integrada e sustentável. Assim como teriam que contar com a legitimação dos processos de participação da sociedade – que, entretanto, dependem de iniciativa do Poder Executivo para serem regulamentados.
Se a Prefeitura já adotou os projetos viários como prioritários e vem avançando com o seu licenciamento, é porque já sepultou o plano de transportes nos moldes estabelecidos pela norma municipal de planejamento e subjugou a participação social.
Os Impactos de Vizinhança
A Lei Orgânica da Cidade do Rio de Janeiro, aprovada em 05 de abril de 1990, faz distintas referências às questões relacionadas à vizinhança, seja quando trata dos direitos de vizinhança, assim como do relatório de impacto de vizinhança.
Num pri¬mei¬ro momen¬to, em seu Capítulo V – Da Política Urbana, a Carta cario¬ca reco-nhe¬ce o cha¬ma¬do direi¬to de vizi¬nhan¬ça, quan¬do seu art. 436 esta¬be¬le¬ce con¬di¬ções para o licen¬cia¬men¬to de obras no muni¬cí¬pio.
Os ¬demais inci¬sos do art. 436 dis¬põem sobre o aces¬so dos vizi¬nhos e a pos¬si¬bi¬li¬da¬de de inter¬ven¬ção nos pro¬ces¬sos de licen¬cia¬men¬to de obras.
Tem a Lei Orgânica cario¬ca, por¬tan¬to, um texto bas¬tan¬te abran¬gen¬te no que se refe¬re aos impac¬tos urba¬nís¬ti¬cos ou de vizi¬nhan¬ça, que se refor¬çam ainda no Plano Diretor.
A Lei Complementar nº 16, de 04 de junho de 1992, que dis¬punha sobre a Política Urbana e ins¬ti¬tuía o Plano Diretor Decenal da Cidade do Rio de Janeiro, fazia refe¬rên-cias aos impac¬tos de vizi¬nhan¬ça em vários de seus dispositivos. O novo Plano Diretor, instituído pela LC nº 111/2011, assim dispõe sobre a avaliação de impactos urbanísticos:
“Art. 99. O Relatório de Impacto de Vizinhança – RIV, é o instrumento destinado à avaliação dos efeitos negativos e positivos decorrentes da implantação ou ampliação de um empreendimento ou de uma atividade econômica em um determinado local e a identificação de medidas para a redução, mitigação ou extinção dos efeitos negativos e terá prazo de validade regulamentada em legislação específica.
(...)
§ 2º Aplica-se o Relatório de Impacto de Vizinhança (RIV) em empreendimentos que importem em substancial aumento na circulação de pessoas e tráfego de veículos, ou em utilização massiva da infraestrutura, ou ainda naqueles que causem incômodos ambientais à população, a exemplo de emissões líquidas, sólidas, sonoras ou condições que impliquem em baixa capacidade de circulação do ar, entre outras, de forma a avaliar a amplitude e importância dos impactos e adequar, se for o caso, o empreendimento à capacidade física e ambiental da região.”
Apesar de toda a abran¬gên¬cia sobre o tema na Lei Orgânica e no Plano Diretor da Cidade do Rio de Janeiro, não há ainda uma regu¬la¬men¬ta¬ção que pos¬si¬bi¬li¬te a apli¬ca¬ção do ins¬tru¬men¬to da ava¬lia¬ção de impac¬to urba¬nís¬ti¬co. Portanto, a cida¬de do Rio de Janeiro, não obs¬tan¬te ser uma das que prevê há mais tempo a figu¬ra do Relatório de Impacto de Vizinhança, até os dias ¬atuais ainda não rea¬li¬zou expe¬ri¬men¬tos neste sen¬ti-do.
Portanto, mesmo com a previsão legal para fazê-lo, não teremos a aplicação do importante instrumento da avaliação de impactos urbanísticos no licenciamento dos projetos da TransOlímpica, da TransOeste e da TransCarioca.
O Estudo de Impacto de Vizinhança ofe¬re¬ce meca¬nis¬mos de empo¬de¬ra¬men¬to da popu¬la¬ção afe¬ta¬da, no sen¬ti¬do de bus¬car seu posi¬cio¬na¬men¬to acer¬ca do licen¬cia¬men¬to de deter¬mi¬na¬do empreen¬di¬men¬to. Afinal, assim como o Estudo de Impacto Ambiental, o Estudo de Impacto de Vizinhança con¬sis¬te em estu¬do amplo, que mere¬ce inter¬pre¬ta¬ção, em vir¬tu¬de de elen¬car os con¬ve¬nien¬tes e incon¬ve¬nien¬tes do empreen¬di¬men¬to, bem como ofer¬tar as medi¬das mitigadoras e com¬pen¬sa¬tó¬rias dos impactos negativos de determinado empreendimento ou atividade.
O incen¬ti¬vo ao pro¬ta¬go¬nis¬mo popu¬lar, por meio da rea¬li¬za¬ção de audiên¬cias públi¬cas, para que pos¬sam opi¬nar, agir e deci¬dir sobre as trans¬for¬ma¬ções de uso e ocu¬pa¬ção do solo urba¬no no local de mora¬dia, refor¬ça a idéia do Estudo de Impacto de Vizinhança – EIV. Ele funciona como impor¬tan¬te meca¬nis¬mo de con¬tro¬le ¬social para a ges¬tão demo¬crá¬ti¬ca das cida¬des sus¬ten¬tá¬veis, por meio de um geren¬cia¬men¬to urba¬no con-tem¬po¬râ¬neo, capaz de ¬suprir os ¬vazios deri¬va¬dos da apli¬ca¬ção dos ins¬tru¬men¬tos da legis-la¬ção urba¬na tra¬di¬cio¬nal.
Porém, para as obras voltadas à preparação da Cidade para a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016, as avaliações de impactos urbanísticos não serão aplicadas nos moldes desenhados pelo Estatuto da Cidade, pela Lei Orgânica Municipal e pelo Plano Diretor Municipal.
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