Obras do COMPERJ - Complexo Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro, da Petrobras, foram paralisadas, no dia 14 de Maio, por decisão da Justiça Federal que considerou nulas as licenças ambientais emitidas pelo INEA - Instituto Estadual do Ambiente. Porém, três dias depois, Petrobras conseguiu medida cautelar que suspende parcialmente a decisão.
As obras do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro estavam suspensas desde terça-feira, dia 14/05. O juiz federal substituto da 2ª Vara Federal de Itaboraí, Eduardo Ribeiro Filho, suspendeu as obras atendendo a uma Ação Civil Pública do Ministério Público Federal, de 2008, que apontava irregularidades na concessão das licenças ambientais para a construção do complexo, que tem como área de influência as unidades de conservação federais APA Guapimirim, ESEC Guanabara, APA Petrópolis e Parque nacional da Serra dos Órgãos.
O MPF alega que a autorização do INEA não é suficiente para avaliar os impactos causados na região. Na decisão, o juiz determinou que é preciso que o IBAMA atue diretamente no licenciamento da atividade, por motivos apresentados pelo MPF.
A Ação Civil Pública foi proposta pelo MPF em 2008 com pedido de antecipação de tutela que, entretanto, não foi concedido. Depois de cinco anos de tramitação, a Justiça Federal decidiu pelo acolhimento do pedido do MPF. Porém, medida cautelar suspendeu parcialmente os efeitos da sentença, autorizando a continuidade das obras na área interna do COMPERJ. Parece, porém, que as intervenções externas - como a construção do emissário submarino para despejo de esgotos nas praias de Maricá - foram excluídas da cautelar, pairando sobre elas os efeitos da sentença judicial original.
Estou buscando o teor da decisão cautelar, mas aproveito para disponibilizar o conteúdo da sentença que determinou a anulação das licenças ambientais. Aos envolvidos com a causa ou com o direito ambiental, vale a leitura.
0000503-53.2008.4.02.5107 Número antigo:
2008.51.07.000503-2
6001 - AÇÃO CIVIL PÚBLICA
Autuado em 16/09/2008 - Consulta Realizada em
15/05/2013 às 12:38
AUTOR : MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
PROCURADOR: CRISTIANE PEREIRA DUQUE ESTRADA E OUTROS
REU : PETROLEO BRASILEIRO S/A- PETROBRÁS E OUTROS
ADVOGADO : PATRICIA ALMEIDA REIS E OUTROS
02ª Vara Federal de Itaboraí - EDUARDO DE ASSIS RIBEIRO
FILHO
Juiz - Sentença: EDUARDO DE ASSIS RIBEIRO FILHO
Redistribuição em 13/04/2011 para 02ª Vara Federal de
Itaboraí
Objetos: MEIO AMBIENTE: Dano Ambiental -
Responsabilidade Objetiva – Administrativo
SENTENÇA
Tratam os autos de ação civil pública apresentada pelo
Ministério Público Federal (MPF) em face de Petróleo Brasileiro S/A -
Petrobras, Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente - FEEMA e Instituto
Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, objetivando
Anular atos administrativos realizados em processo de licenciamento ambiental
do COMPERJ e estruturas associadas realizadas pelo INEA/FEEMA sem participação
do IBAMA.
Alega em síntese na petição inicial: a) o Complexo
Petroquímico do Rio de Janeiro (COMPERJ) está sendo instalado a aproximadamente
05 km de unidade de conservação sob a fiscalização do IBAMA; b) apesar disso, o
IBAMA não participou da análise do EIA/RIMA, ficando essa efetivamente ao
encargo do INEA/FEEMA; c) técnicos do IBAMA fizeram manifestação técnica
separada onde apontaram impactos ambientais decorrentes da implementação do
COMPERJ, apesar disso a Superintendência do IBAMA no Rio de Janeiro emitiu
autorização de licenciamento. Ao mesmo tempo a INEA/FEEMA opinou pela concessão
da Licença Prévia, que foi emitida e curto espaço de tempo ; d) apenas dois
dias após a concessão da Licença Prévia já foram apresentados
pareceres no sentido de conceder a Licença de Instalação; e)
a Petrobrás registrou em Diagnóstico Ambiental que a Área de Influência Direta
(AID) do COMPERJ possui raio de 20 km de seu centro de gravidade, o que
afetaria as áreas de proteção ambiental de Petrópolis e de Guapimirim e Estação
Ecológica da Guanabara. A Área Diretamente Afetada (ADA) possui raio de 10 km e
atinge região de mangue; f) Houve inépcia na atuação do INEA/FEEMA, de forma
que caberia ao IBAMA atuação supletiva; g) a PETROBRAS realizou fracionamento
indevido do licenciamento ambiental, tendo sido analisado em separado, por
exemplo a licença do sistema de dutos, sob a denominação de infra-estrutura
externa associada; h) não houve a realização de Avaliação Ambiental Integrada
(AAI) por parte do INEA/FEEMA, o que contraria a Lei Estadual nº 3.111/98.
Houve pedido de Antecipação dos Efeitos da Tutela que ficou
para ser analisado, após a manifestação dos requeridos (fls. 61).
Notificada a se manifestar sobre o pedido de tutela
antecipada, a Petrobrás alegou às fls. 73/80 que a competência para analise do
EIA/RIMA é apenas do INEA/FEEMA, que existe no caso periculum in mora reverso e
que a Justiça Federal é incompetente para analisar o caso.
O INEA/FEEMA, após ser regularmente notificada afirmou às
fls. 93/13, que a áreas de proteção ambiental ficam a mais de 10 km do centro
da área da COMPERJ, o que afasta qualquer alegação de ocorrência de impacto
direto sobre as áreas de proteção ambiental. Alegou-se ainda que a competência
para o licenciamento é apenas da FEEMA e que não houve fracionamento das
licenças ambientais.
IBAMA, por sua vez alegou às fls. 254/273 que o ICMBIO é o
atual responsável pelas áreas de proteção ambiental, sendo necessária sua
manifestação em integrar o feito. Alegou ainda que estão ausentes os requisitos
legais para a concessão da antecipação da tutela e requereu a realização de
audiência de conciliação.
Às fls. 299/327, o pedido de antecipação dos efeitos da
tutela foi indeferido.
Às fls. 330/368, o MPF apresentou Agravo de Instrumento da
decisão que indeferiu a antecipação de tutela.
Após ser regularmente citada, o INEA/FEEMA apresentou
contestação às fls. 410/431, onde aduziu: a) é competente para a expedição das
licenças ambientais no caso em tela; b) o critério que permite distinguir em
qual nível federativo deve ser licenciado um determinado empreendimento é o da
área de influência direta do impacto ambiental, pouco relevando a questão
dominial relativa aos terrenos nela compreendidos; c) a Baia da Guanabara não
compõe o mar territorial, mas constitui-se de águas interiores, nos termos da
Lei nº 8617/93; d) no que diz respeito às áreas de proteção ambientais
federais, a competência do IBAMA ocorre apenas nos casos em que os
empreendimentos se localizem no interior desses áreas, o que não ocorre no
presente caso; e) o EIA/RIMA que subsidiou a licença prévia analisou o projeto
como um todo, valendo ressaltar que até mesmo se procurou antever cenário em
que o COMPERJ figurará como polo de atração de empresas de transformação de
resinas termoplásticas; f) o STF aceita que o EIA/RIMA pode ser finalizado
antes da expedição da licença de instalação, mas após a expedição da licença
prévia, se necessário, sem que se vislumbre em tal fato qualquer ideia de
fracionamento do licenciamento; g) não houve violação à Lei Estadual nº
3.111/98, pois o estudo de sinergia foi elaborado no bojo do próprio estudo de
impacto ambiental, seguindo a orientação traçada no item 4.2 da Instrução
Técnica DECON 01/2007.
Devidamente citada, a PETROBRAS S/A apresentou contestação
às fls. 437/459, alegando o seguinte: a) incompetência da Justiça Federal por
não haver qualquer pedido em face do IBAMA;
b) a atribuição do EIA/RIMA é exclusiva do órgão estadual,
tendo o IBAMA enfrentado a questão na seara administrativa por meio do Parecer
nº 312/CONJUR/MMA/2004; c) a dominialidade do bem onde se encontram os recursos
ambientais eventualmente afetados pelo empreendimento não tem relevância para a
fixação do ente que tem a atribuição para conduzir o licenciamento ambiental;
d) o fato do EIA/RIMA descrever ecossistemas existentes na
Área de Influência Direta (AID) e na Área Diretamente Afetada (ADA) não
significa que os mesmos serão impactados pelo empreendimento; e) o impacto
ambiental do empreendimento esta circunscrito ao Estado do Rio de Janeiro; f)
consta no processo de licenciamento conduzido pelo INEA/FEEMA as autorizações
dos gestores de unidades de conservação que se localizam na área de influência
do empreendimento, incluídas aquelas sob administração federal; g) não há que
se falar em inépcia do INEA/FEEMA; h) não houve fracionamento do EIA/RIMA; i) a
rapidez com que foi conduzido o processo não importa em ilegalidade, tendo sido
realizadas várias reuniões anteriores com os interessados.
O IBAMA apresentou contestação às fls. 486/490, afirmando em
apertada síntese que: a) ilegitimidade passiva: b) no âmbito federal, foi
realizada a análise do EIA/RIMA pelo IBAMA/RJ e ICMBio, conforme preceitua a
norma da Resolução CONAMA nº 13/90, diante da necessidade de haver a
manifestação dos responsáveis pela administração da Unidade de Conservação
Federal APA Guapimirim, tendo sido
elaborado um estudo técnico manifestação técnica sobre os impactos ambientais
potenciais decorrentes da implantação do COMPERJ nas unidades de conservação
federais da região; c) juntou em anexo a Autorização nº 01/2008 - Ref. U.C. APA
Guapirimirim e ESEC Guanabara.
O MPF apresentou réplica às contestações às fls. 581/586.
Às fls. 583 o INEA/FEEMA requereu a produção de prova
pericial e documental. Já o IBAMA afirmou às fls. 590 que não tinha provas a
produzir. A PETROBRAS se pronunciou pela produção de prova documental às fls.
594/595.
O MPF se pronunciou pelo deferimento da produção da prova
documental às fls. 633/634.
Às fls. 641 foi deferida a produção de prova documental
pelos réus, ficando postergada a análise do requerimento de prova pericial para
após justificativas a serem apresentadas pelo INEA/FEEMA.
As provas documentais produzidas ao longo do tramite
processual foram anexadas em autos apartados para facilitar o manejo dos autos.
O MPF apresentou alegações finais às fls. 726/746, a
PETROBRAS às fls. 749/761, o INEA/FEEMA, às fls. 775/784 e o IBAMA às fls.
785/791.
Intimadas as partes a se manifestar sobre um possível
acordo, o MPF se manifestou de forma contrária, tornando-se impossível,
portanto, o concerto, apesar das manifestações positivas tanto da Procuradoria
Federal quanto da Petrobrás S/A.
É o relato pertinente.
DECIDO.
Primeiramente não poderia deixar de registrar o entendimento
desse magistrado no sentido que de o acordo entre as partes seria a melhor
alternativa para o caso em questão uma vez que a presente sentença,
independentemente de seu teor e conteúdo decisório, muito provavelmente será
objeto de recurso pelas partes o que faz perpetuar o cenário de insegurança
jurídica, seja do investimento que está sendo realizado, seja do bem ambiental.
Insegurança essa que deixaria de existir com o acordo que poderia ser firmado
ainda nessa primeira instância.
Dito isso, passo ao julgamento.
Inicio pela preliminar de incompetência da Justiça Federal
para julgar o feito.
Tal alegação já foi enfrentada quando do indeferimento do
requerimento de antecipação da tutela (fls. 306), tendo aquela decisão
apresentada a seguinte fundamentação para o indeferimento dessa preliminar:
Cumpre, de início, assentar a competência da Justiça Federal
para apreciar a matéria objeto desta ação, na forma do art. 109, I, da
Constituição da República, eis que, além de figurar como ré Autarquia Federal,
IBAMA, trata-se de demanda que visa à proteção também de bens da União, de
acordo com art. 20, VI e VII da Carta Magna Adoto como razão de decidir a
fundamentação e acrescento ainda que a alegação de que não há requerimentos em
face do IBAMA como fundamento da incompetência e ilegitimidade passiva do IBAMA
não merece prosperar uma vez que toda a ação gira em torno da necessidade ou
não da atuação do IBAMA no licenciamento das obras do COMPERJ.
Superada a preliminar arguida e estando presentes os
pressupostos processuais e condições da ação, passo à análise do mérito.
O meio ambiente recebeu especial importância da
Constitucional Federal vigente, tendo o atual texto determinado que os entes
federados possuem competência concorrente para legislarem sobre o tema (art.
24, VI, VII e VIII), bem como competência comum em sua atuação (art. 23, VI e
VII).
Ao se tratar a proteção ao meio ambiente como competência
comum a Constituição acaba por adotar de forma implícita o princípio da
subsidiariedade na atuação dos entes federados, princípio esse que acabou ser
explicitado tanto pela Lei nº 6938/81, quanto pela Resolução CONAMA 237/97 e
Lei Complementar nº 140/2011, que atualmente regem o licenciamento ambiental.
Acerca do princípio da subsidiariedade, ele tem início com
Enciclica Papal Quadragésimo anno, de 1931 merecendo destaque aqui a afirmação
do PAPA PIO XI de que seria cometer injustiça, ao mesmo tempo que torperdear de
maneira bem criticável a ordem social, retirar de grupamento de ordem inferior
funções que ela poderia normalmente exercer de forma eficaz e conferi-las a um
grupamento mais vasto e elevado.
Tal pensamento foi transplantado para a política e para o
Direito, servindo como justificativa para a adoção de administrações
descentralizadas, bem como para atuação suplementar e complementar de um ente
federado ou de um órgão administrativo em relação a outro. Acerca desse
princípio merece destaque a seguinte passagem do Constitucionalista mineiro
José Alfredo de Oliveira Baracho em sua obra: O princípio da subsidiariedade -
conceito e evolução:
“...O princípio da subsidiariedade explica e justifica, em
muitas ocasiões, a política de descentralização. A compreensão do princípio de
subsidiariedade, em certo sentido, procura saber como em organização complexa
pode-se dispor de competências e poderes. Aceitá-lo é, para os governantes,
admitir a idéia pela qual as autoridades locais devem dispor de certos poderes.
O princípio da subsidiariedade intui certa idéia de Estado, sendo instrumento
de liberdade, ao mesmo tempo que não propõe a absorção de todos os poderes da
autoridade central. (fls. 30)
Uma vez identificado o princípio que está a embasar toda a
discussão travada nesses autos, faz-se necessário identificar a legislação
ambiental que rege o licenciamento, bem como aclarar seus limites.
A CF/88 em seu artigo 225 dispôs que todos tem direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado e impôs ao Poder Público e à
coletividade o dever de protege-lo e preserva-lo, tendo para tanto, em seu
inciso IV, exigido que ¿para a instalação de obra ou atividade potencialmente
causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de
impacto ambiental, a que dará publicidade”.
Ao regular a passagem constitucional mencionada, o art. 10
da Lei nº 6938/81, assim dispôs:
Art. 10 - A construção, instalação, ampliação e
funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos
ambientais, considerados efetiva e potencialmente poluidores, bem como os
capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de
prévio licenciamento de órgão estadual competente, integrante do Sistema
Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA, e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, em caráter supletivo, sem prejuízo de
outras licenças exigíveis. (Redação dada pela Lei nº 7.804, de 1989)
Ressalta-se aqui que, apesar da Lei Complementar nº
140/2011, ter alterado a redação desse artigo, não foi suprimida a incidência
do princípio da subsidiariedade no direito ambiental pátrio, tendo sido mantido
o caráter supletivo da atuação da União, conforme se nota no art 2º e 7ª, XIII
e XIV abaixo transcritos:
Art. 2o Para os fins desta Lei Complementar, consideram-se:
I - licenciamento ambiental: o procedimento administrativo
destinado a licenciar atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos
ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer
forma, de causar degradação ambiental;
II - atuação supletiva: ação do ente da Federação que se
substitui ao ente federativo originariamente detentor das atribuições, nas
hipóteses definidas nesta Lei Complementar;
III - atuação subsidiária: ação do ente da Federação que
visa a auxiliar no desempenho das atribuições decorrentes das competências
comuns, quando solicitado pelo ente federativo originariamente detentor das
atribuições definidas nesta Lei Complementar.
Art. 7o São ações administrativas da União:
XIII - exercer o controle e fiscalizar as atividades e
empreendimentos cuja atribuição para licenciar ou autorizar, ambientalmente,
for cometida à União;
XIV - promover o licenciamento ambiental de empreendimentos
e atividades:
a) localizados ou desenvolvidos conjuntamente no Brasil e em
país limítrofe;
b) localizados ou desenvolvidos no mar territorial, na
plataforma continental ou na zona econômica exclusiva;
c) localizados ou desenvolvidos em terras indígenas;
d) localizados ou desenvolvidos em unidades de conservação
instituídas pela União, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs);
e) localizados ou desenvolvidos em 2 (dois) ou mais Estados;
Assim, não há que se falar em revogação da Resolução nº
237/97 devido a vigência da Lei Complementar nº 140/2011. Acresce-se ainda que
o artigo 8º, XIII, delegou à Resolução CONAMA a atribuição de definir as
situações em que cabe ao Estado o licenciamento ambiental ao afirmar que cabe a
esse ente ¿promover o licenciamento ambiental de atividades ou empreendimentos
utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou
capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, ressalvado o
disposto nos arts. 7o e 9º - que versam sobre a competência da União e do
Município.
A resolução CONAMA 237/97, concretiza as disposições
constitucionais e legais em seu art. 5º, assim dispondo sobre a atribuição dos
Estados para o licenciamento ambiental:
Art. 5º - Compete ao órgão ambiental estadual ou do Distrito
Federal o licenciamento ambiental dos empreendimentos e atividades:
I - localizados ou desenvolvidos em mais de um Município ou
em unidades de conservação de domínio estadual ou do Distrito Federal;
II - localizados ou desenvolvidos nas florestas e demais
formas de vegetação natural de preservação permanente relacionadas no artigo 2º
da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, e em todas as que assim forem
consideradas por normas federais, estaduais ou municipais;
III - cujos impactos ambientais diretos ultrapassem os
limites territoriais de um ou mais Municípios;
IV - delegados pela União aos Estados ou ao Distrito
Federal, por instrumento legal ou convênio.
Ante o acima esposado e com base ainda no princípio da
subsidiariedade tem-se que para fins de atribuição para o licenciamento
ambiental, a regra é observar apenas a extensão do impacto ambiental,
ignorando-se o local do empreendimento. A exceção está no art. 4, I da
Resolução Conama 237, que será oportunamente tratada.
Fixada a premissa principiológica e legal, passamos à
análise dos elementos e alegações presentes nos autos.
Ressalto desde já que o acordo de cooperação técnica nº
12/2008 juntado às fls. 492/495 e utilizado para embasar a alegação do IBAMA de
ilegitimidade passiva e legitimidade do INEA/FEEMA para atuar não é instrumento
de delegação de competência, mas simples ato de cooperação técnica entre o
órgão federal e o estadual, de forma que não afeta a análise que aqui será
realizada.
O COMPERJ é um complexo industrial de iniciativa da
Petrobrás para refino de petróleo e produção de petroquímicos. Esse
empreendimento está localizado no Município de Itaboraí, porém seus dutos tanto
para o recebimento de petróleo, como de gás e efluentes líquidos acabam também
por afetar outros municípios, como São Gonçalo e Maricá.
Para que esse empreendimento opere, faz-se necessário não
somente a construção do que é chamado de Unidade Básica de Produção (UPB) que
tem como missão o refino de petróleo e a produção de subprodutos dele derivado,
mas também a construção de estradas para passagem de veículos pesados, a
construção de píer para o transporte de grandes equipamentos, a instalação de
linhas de transmissão com capacidade superior a 354kV,
construção de hidrovia com porto na região de São Gonçalo, construção de
estação de tratamento de esgoto e dutos de captação de água e de eliminação de
efluentes resultantes da produção.
Desta forma, para uma correta análise ambiental do
empreendimento, e para se definir a atribuição para a análise do EIA/RIMA
elaborado, bem como para a concessão ou denegação de licenças ambientais,
faz-se necessário considerar todos os elementos acima frente a legislação
pátria.
Segundo afirma o MPF, o empreendimento chamado COMPERJ
atinge direta ou indiretamente as seguintes áreas de proteção ambiental
federais: Área de Proteção Ambiental de Petrópolis, Área de Proteção Ambiental
de Guapimirim e Estação Ecológica da Guanabara, além de bens da União Federal,
como o ecossistema manguezal, a Baia da Guanabara e o Mar Territorial.
Apesar de não termos lide em relação ao caráter federal das
áreas de proteção acima mencionada, há discussão nos autos sobre a
classificação jurídica da Baia de Guanabara, o que afeta diretamente o cerne
dessa ação, uma vez que se for considerada como agua interna a atribuição para
licença sobre atividades que a afetam é do Órgão Estadual, caso seja
considerada como mar territorial, a competência é do Órgão Federal, conforme art.
4,I, da Resolução Conama supra citada.
Desta forma, passo a analisar a classificação jurídica das
águas da Baia da Guanabara.
No âmbito internacional os espaços marítimos são regulados
pela Convenção de Monte Bay de 1982 (Convenção das Nações Unidas sobre o
Direito do Mar). Essa convenção em seu artigo 8º afirma que “as águas situadas
no interior da linha de base do mar territorial fazem parte das águas
interiores do Estado”.
Essa classificação foi mantida pelo Brasil ao se promulgar a
Lei nº 8.617/93 quando em seu artigo 1º se definiu que quanto à demarcação da
linha inicial do mar territorial na faixa litorânea que possui recortes
profundos, será aplicado o método da linha de base reta.
A baia da Guanabara é um recorte profundo na linha costeira
nacional, estando as águas a ela pertencentes dentro da área continental não
podendo, dessa forma, ser considerada, sob o aspecto jurídico como mar
territorial.
Melhor esclarecendo o significado de águas interiores merece
destaque a lição de Valério de Oliveira Mazzuoli:
Como se percebe, as águas interiores às quais se refere a
Convenção, são águas que fazem parte do mar aberto, não sendo ¿interiores¿
propriamente ditas. Trata-se apenas de uma ficção jurídica, uma vez que não
chegam a penetrar no território do Estado. Tais águas estão localizadas entre a
costa e a
linha de base do mar territorial do Estado e constituem
parte integrante do território nacional (são águas nacionais, em que o Estado
exerce ilimitadamente sua soberania, mas não propriamente interiores). (Curso
de Direito Internacional Público, 4ª ed. Editora RT, p. 705).
Isso fica muito claro quando olhamos a seguinte imagem da
Baia da Guanabara e arredores abaixo reproduzida:
Assim, juridicamente não há como se considerar a Baia de
Guanabara como mar territorial, sendo aqui tratada como água interior, o que
faz com que o empreendimentos realizados exclusivamente em sua área devam ser
objeto de licenciamento pelo órgão ambiental estadual e não federal.
Porém, como será à frente demonstrado, o COMPERJ não afeta
apenas as águas da Baia da Guanabara, bem como não se limita à área terrestre
no entorno da baia.
Ainda sobre o tema, a Petrobras defende a atribuição da
FEEMA/INEA sob a alegação de que o impacto é apenas local e que deve ser
aplicado o entendimento esposado no Parecer nº 312/CONJUR/MMA/2004, juntado às
fls. 463/484 dos autos principais.
O mencionado parecer afirma que para fins de delimitação de
atribuição para o licenciamento ambiental deve-se observar apenas a extensão do
impacto ambiental, sendo irrelevante o local onde é desenvolvido o
empreendimento, uma vez que os bens ambientais não pertencem aos entes federativos,
mas são bens comuns de todos.
Ocorre que esse Parecer ignora por completo o art. 4º da
Resolução Conama nº 237/97, situação lá prevista que ainda vige após a LC nº
140/2011, ou seja, apesar de a regra ser considerar que apenas o impacto
ambiental para fins de determinação de atribuição, há localidades especiais em
que o legislador e o administrador entenderam que o Órgão Federal teria
melhores condições de atuação, dentre eles os casos em que o empreendimento
localiza-se ou desenvolve-se ao longo do mar territorial.
O entendimento que é aqui adotado parte da interpretação de
que os incisos do art. 4 da Resolução Conama nº 237/97, que foi transcrito
quase que integralmente para o art. 7º, XIV, da LC nº 140/2011, são exceções à
regra que é prevista em tal perecer e atraem a competência do IBAMA mesmo
quando seu impacto não transcende a área geográfica do Estado da Federação.
Essa
interpretação afasta tanto o cometimento de atribuições
excessivas ao IBAMA, quanto garante as prerrogativas mínimas da autarquia.
Deixe-se claro ainda que o simples fato de um empreendimento
localizado ou desenvolvido integralmente fora do mar territorial, afetar direta
ou indiretamente o mar territorial não é suficiente para atrair a competência
da Autarquia Federal. A exceção é aplicável apenas quando o empreendimento se
localiza ou desenvolve-se nas localidades previstas no art. 7º, XIV, da LC 140/2011.
Passo à análise da argumentação de que a COMPERJ impactará
direta e indiretamente sobre as áreas de proteção federal e estações ecológicas
acima mencionadas.
Nesse ponto a legislação pátria, em especial a Lei n
9.985/2000, é clara ao afirmar que apenas quando o empreendimento ocorrer
dentro da área de proteção ambiental federal é que o licenciamento fica a cargo
do órgão ambiental federal, atualmente o ICMBIO.
Nos casos em que o empreendimento ocorre fora da área de
proteção, porém direta ou indiretamente o afeta, faz-se necessário apenas
aprovação do empreendimento pelos administradores das áreas de reserva
ambiental, conforme se denota da leitura da redação do art. 36,§3º da Lei nº
9.985/2000.
Logo, como o empreendimento da COMPERJ não está a ocorrer
dentro de área de proteção federal ou estação ecológica federal, faz-se
necessário apenas a autorização da administração de tais áreas, sendo ainda de
competência do Órgão Estadual o licenciamento.
No que diz respeito ao ecossistema de manguezal, tem-se as
seguintes considerações:
O manguezal aqui tratado encontra-se dentro da Baia da
Guanabara e não em área de Zona Costeira.
A Lei nº 11.428/2006 (dispõe sobre a proteção da Mata
Atlântica) em seu artigo 2º, define o manguezal como ecossistema integrante do
Bioma Mata Atlântica, conforme se nota na redação a seguir transcrita:
Art. 2o Para os efeitos desta Lei, consideram-se integrantes
do Bioma Mata Atlântica as seguintes formações florestais nativas e
ecossistemas associados, com as respectivas delimitações estabelecidas em mapa
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, conforme regulamento:
Floresta Ombrófila Densa; Floresta Ombrófila Mista, também denominada de Mata
de Araucárias; Floresta Ombrófila Aberta; Floresta Estacional Semidecidual; e
Floresta Estacional Decidual, bem como os manguezais, as vegetações de
restingas, campos de altitude, brejos interioranos e encraves florestais do
Nordeste. (Regulamento)
Na transcrição da audiência pública realizada pela PETROBRAS
para se discutir o Projeto do COMPERJ fica claro que uma parte de manguezal
sadio será atingida pelas obras, apesar de em escala menor que previsto
originalmente, conforme se denota nas seguintes passagens abaixo transcritas:
A Petrobras então está aprimorando o projeto para utilizar a
estrada existente, e somente nessa área onde vai construir a nova ponte, onde
forem formados os pilares dessa ponte é que vai afetar um pedaço de mangue.
Então, a área de mangue que está no EIA-RIMA, de 1,2 hec. vai ser diminuída significativamente.
Na área de manguezais encontramos uma ave chamada
Figuinha-do-mange, que é indicadora de ambientes bem preservados. (fls. 17/18
do processo de licença prévia do empreendimento realizado pelo INEA/FEEM e
presente nos autos anexos 06)
Porém o simples fato de estar mencionado no art. 225, §4º da
CF/88 não atrai a competência do IBAMA. Ademais, o impacto ambiental sobre esse
ecossistema, por si só, não afeta área além da Baia da Guanabara e do Estado do
Rio de Janeiro.
Logo, o fato de afetar área de manguezal, por si só, não
atrai a atribuição do IBAMA para o licenciamento ambiental.
Realizada a análise sobre questões pontuais levantadas nos
autos, faz-se necessário verificar nesse momento o empreendimento do COMPERJ
como um todo para fins de verificar se ainda subsiste alguma hipótese que
atraia a atribuição do órgão federal para o licenciamento, bem como verificar se
houve ou não indevido fracionamento de licenças.
Conforme já dito, o COMPERJ é um complexo industrial de
iniciativa da Petrobrás para refino de petróleo e produção de petroquímicos.
Esse empreendimento tem sua Unidade Básica de Produção localizada no Município
de Itaboraí, porém seus dutos tanto para o recebimento de petróleo, como de gás
e efluentes líquidos acabam também por afetar outros municípios, como São
Gonçalo e Maricá.
Chama especial atenção a questão dos dutos e os impactos
ambientais que podem causar, uma vez que sua extensão é superior a 40 km.
No volume 3 dos autos anexos consta cópia do processo
administrativo nº 2038855/08 (INEA/FEEMA). Especificamente no campo “descrição
das atividades” do Requerimento de obtenção de licença prévia de emissário,
onde consta a seguinte informação:
O emissário para escoamento do efluente líquido tratado do
Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro - COMPERJ _ situado no município de
Itaboraí. O presente emissário considera o lançamento oceânico do efluente
líquido tratado em Maricá, cujo traçado pode ser visualizado no Desenho
DE-4150.00-6500-940-PEN-007.
O trecho terrestre do emissário tem extensão de 41 km e será
instalado em nova faixa de domínio, com largura de 20m. Esta faixa tem espaço
suficiente para colocação de linhas destinadas ao esgotamento sanitário das
populações residentes ao longo do traçado. Para o trecho submarino estima-se
que a extensão esteja entre 3 a 5 km.
Vê-se, portanto, que o Complexo do COMPERJ não limita sua
área de desenvolvimento à Baia de Guanabara ou às áreas de preservação lá
localizadas, ocorrendo o envio de efluente em mar territorial na região de
Maricá/RJ, próximo a praia de Itaipuaçu, conforme se nota no desenho e fotos
constantes no Volume I do EIA/RIMA para a Implantação do Emissário submarino do
COMPERJ (vide fls. 315 e estudo presente às fls. 255 até às fls. 332).
O que se tem é que o Sistema de Dutos do COMPERJ avança no
mar territorial em mais de 3 Km, não podendo ser considerado tal meio ambiente
apenas como mera área de influência do empreendimento, mas sim que o
empreendimento, ou ao menos parcela dele, desenvolve-se para
dentro do mar territorial, o que afeta diretamente a
atribuição para o licenciamento da atividade.
Conforme consta no art. 4º, I da Resolução CONAMA 237/1997,
compete ao IBAMA o licenciamento ambiental quanto as atividades forem
localizadas ou desenvolvidas no mar territorial.
Tal entendimento foi mantido pela Lei Complementar nº
140/2011, conforme se nota no art. 7º, XIV, “b”, anteriormente transcrito.
Acrescente-se que não há nos autos qualquer instrumento que
comprove delegação de atribuição do IBAMA para a FEEMA/INEA no licenciamento de
empreendimentos que desenvolvem-se ou se localizam no mar territorial.
Logo, tendo em vista que a licença ambiental deve ser
concedida apenas por um órgão ambiental, que não é possível o fracionamento das
licenças ambientais e considerando que o COMPERJ avança mais de 3 km sobre o
mar territorial, a competência para licenciamento de todo o projeto deve ser do
IBAMA e não do INEA/FEEMA.
Como consequência, julgo procedente o pedido nesse ponto.
Passo à análise da argumentação de ocorrência de
fracionamento das licenças ambientais, bem como da ausência de análise da
sinergia do COMPERJ com demais empreendimentos do local, conforme exigência da
Lei Estadual do Rio de Janeiro nº 3.111/1998
Primeiramente, transcrevo o conteúdo da Lei nº 3.111/98 do
Estado do Rio de Janeiro:
Art. 1º - Quando houver mais de um EIA/RIMA para a mesma
bacia hidrográfica, a Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente deverá
realizar a análise conjunta dos empreendimentos, para definir a capacidade de
suporte do ecossistema, a diluição dos poluentes e os riscos civis, sem prejuízo
das análises individuais dos empreendimentos.
Art. 2º - O não atendimento ao previsto nesta Lei anulará o
licenciamento ambiental.
Nesse ponto da sentença, devemos nos ater primeiramente na
forma como foram realizados os EIAs/RIMAs, bem como se foi ou não considerado o
impacto ambiental da atuação sinérgica de cada elemento do Complexo da COMPERJ.
Naturalmente, a questão das licenças e seu fracionamento ou não decorrerão
dessa análise.
Foram juntados pelo MPF 12 caixas, com, em média, 08 volumes
de processos em cada caixa versando sobre o licenciamento ambiental do Complexo
do COMPERJ.
No manuseio de tais documentos nota-se que foram realizados
diversos EIA/RIMAS e Licenças em separado os quais destaco os seguintes:
Documentos referentes à Licença de Instalação da Unidade
Petroquímica Básica, presente nas caixas 02 e 03 EIA/RIMA do Emissário
Terrestre Submarino, caixas 09 e 10 EIA/RIMA do Sistema Duto Viário - Caixa 11;
EIA/RIMA das linhas de transmissão acima da 345 kV - Caixa 11; EIA/RIMA das
vias de acesso de transportes de Grandes Equipamentos - UHOS - caixa 11.
Conforme se nota, foram realizados estudos diversos sobre
cada unidade que compreende o Complexo do Comperj. Verifica-se ainda que apesar
da grandiosidade do Estudo Realizado, não há considerações sobre o impacto
ambiental que tais módulos do Comperj irão causar, em seu conjunto, ao meio
ambiente, apesar de haver ampla análise no que diz respeito a cada elemento em separado.
Verifica-se ainda que o Relatório do Programa de Gestão
Ambiental, decorrente da criação pela PETROBRAS do Programa de Gestão Ambiental
não substitui a necessidade da análise do impacto ambiental oriundo da sinergia
das estruturas, sendo tal Relatório simples acompanhamento do cumprimento das
condicionantes ambientais impostas pelo INEA/FEEMA.
Apesar de não haver tais considerações no EIA/RIMA elaborado
pela Petrobras, chama a atenção o conteúdo do Parecer Técnico nº 1.645/2008
elaborado pela FEEMA e presente às fls. 127/257 dos autos principais, onde se
destacam os seguintes trechos que dizem respeito à análise da sinergia do empreendimento:
fl. 149: A Instrução Técnica emitida pela FEEMA para
elaboração do EIA especificou que os estudos para avaliar o impacto do projeto
na qualidade do ar na região, deveriam considerar desde as emissões geradas
apenas pelo Complexo, até aquelas provenientes, também, do crescimento urbano
polarizado pelas atividades do empreendimento num horizonte de 10 (dez) anos.
Fl. 150. Por meio dos estudos apresentados ficou claro que
haverá um comprometimento da qualidade do ar na região com a implantação do
Complexo, principalmente, no que se refere às emissões de óxidos de nitrogênio
e hidrocarbonetos. Esses poluentes são os precursores do ozônio, que é formado
na atmosfera pela reação fotoquímica entre os dois gases, sendo, portanto, seus
níveis de concentração decisivos para sua formação.
O COMPERJ estará localizado em região, que possui grande
número de unidades de conservação instituídas em leis federais,estaduais e
municipais e o poluente ozônio destaca-se por seus efeitos danosos à vegetação.
Nesses locais devem ser observados padrões secundários de qualidade do ar.
(...)
...Dessa forma, entendemos que o licenciamento ambiental,
nessa situação, deva ser realizado de forma abrangente, considerando o conjunto
de todos esses aspectos, por meio de instrumentos de gestão mais eficazes e
modernos, com realização de estudos com maior profundidade e permanentemente
atualizados com uma base de informações mais precisa, considerando o conjunto de
dados primários que vêm sendo, continuamente gerados na região do COMPERJ Ocorre
que num documento de mais de 100 páginas e que é referência para a liberação
das Licenças ambientais, apenas as 02 páginas cujos trechos foram acima
transcritos fazem referência à sinergia
ambiental do COMPERJ com estruturas já existentes na região
das bacias hidrográficas afetadas.
Soma-se ainda o fato de não haver referência sobre o impacto
sinérgico envolvendo apenas elementos que compõem todo o Complexo do COMPERJ
Conforme se nota, a analise se limita ainda ao aspecto da
poluição atmosférica e poluição sonora, não havendo, por exemplo, análise sobre
o impacto do lançamento dos efluentes na região de Maricá, sendo que nesse
ponto o relatório se limitou a afirmar que esse lançamento não possui impacto
ambiental, não explicando as razões disso e ignorando toda a preocupação
externada pelas associações de pescadores da região registrada em audiência
pública realizada pelo MPF em conjunto com o MPE/RJ e que está com as
transcrições acostadas às fls. 767/771 dos autos onde destaco as seguintes
passagens:
Flávia Coelho, representante da Associação de Preservação
Ambiental das Lagunas de Maricá, considera que o licenciamento do emissário
submarino da Comperj é irregular e a compensação ambiental para o despejo de
efluentes é insuficiente. 2) Andressa Caldas, da Plataforma DHESCA Brasil,
critica a postura de recusa da Petrobras em dialogar com os pescadores artesanais
...7)Roberto Ferraz, da Federação das Associações de Pescadores Artesanais do
Rio de Janeiro, destaca a ineficiência do EIA/RIMA do emissário submarino de
Maricá.
Soma-se à preocupação da população da região de Maricá o
conteúdo da Manifestação Técnica do IBAMA juntada às fls. 501/516 pela
Procuradoria Federal, onde se destaca o seguinte trecho sobre as
características dos efluentes do COMPERJ:
Fls. 507: Para estimar as características dos efluentes do
COMPERJ, foi adotada como referência a Refinaria do Paraná (REPAR), e não a
Refinaria de Duque de Caxias (REDUC). Deveriam ser incluídas, também, as
substâncias poluentes que serão empregadas nos processos petroquímicos, visto
que o COMPERJ terá esta atividade, além de refinar. Deve ser esclarecido se
este petróleo pesado de Marlim não terá maior potencial de impacto ambiental,
com compostos mais complexos e persistentes, por demandar maior tratamento e
por ser um processo pioneiro de refino, com a possibilidade de haver
subprodutos e resíduos com riscos potenciais não previstos nos efluentes descartados.
É louvável o objetivo de atingir 5 ppm, que é compatível com o background
medido, no entanto, outros parâmetros podem ser bastantes significativos para
serem controlados, devido sua toxidade.
Entre as substâncias que devem ser melhor analisadas,
destacamos como exemplo os nocivos Hidrocarbonetos Poli-Aromáticos (HPAs) e os
compostos benzeno, tolueno, etilbenzeno e xileno (BTEX). Embora não sejam
citados na Resolução CONAMA 357/2005 limites para estas substâncias nos
efluentes, eles constam como parâmetros para classificação dos corpos hídricos,
que fatalmente, serão alterados com o incremento da carga poluente,
restringindo suas possibilidades de uso (...).
É previsto um emissário submarino para a destinação final de
efluentes, sendo apresentada uma alternativa de ponto de descarte na boca da
Baia de Guanabara, que deve ser refutada, pois permite refluxo da pluma de
contaminantes em caso de maré enchente, e a outra opção fica próxima à praia
de Itaipuaçu, cuja possibilidade de afetar praias e ilhas
próximas é de grande relevância e de ser avaliada para todos os cenários de
condições ambientais possíveis.
Ainda que todos os efluentes da área pertencente ao COMPERJ
fossem lançados fora da Baia de Guanabara, o aumento da carga poluidora advinda
de outras indústrias e do crescimento urbano proporcionado será bastante nocivo
para os corpos hídricos da região. No EIA é apresentada estimativa de
crescimento e atratividade industrial, porém deve ser exigido do empreendedor
também uma estimativa do aumento de poluição, que está
diretamente relacionado.
Apesar de toda a preocupação acima demonstrada pelo IBAMA,
não foi imposto pelo INEA/FEEMA qualquer condicionante que diz respeito à
região de Maricá, sendo versado no item 8.3 (fls. 254 dos autos principais)
condicionantes que dizem respeito apenas à Baia de Guanabara e rios afetados
pela COMPERJ.
A explicação para a não menção a qualquer tipo de
condicionante para a região de Maricá está no fato de que a análise da
FEEMA/INEA trabalhou apenas com a hipótese dos lançamentos dos efluentes
ocorrerem na Baia da Guanabara, não havendo qualquer analise sobre o impacto ambiental
na região do Mar Territorial em Maricá, mas apenas sugestão de se adotar essa alternativa.
Vê-se isso claramente no item 21 (fls. 255 dos autos
principais) que o INEA/FEEMA solicitou que fosse considerada no licenciamento
do emissário submarino a alternativa de liberação dos efluentes em Maricá, pois
a Baia da Guanabara está com o ambiente eutrofizado e o EIA/RIMA foi feito sem considerar
os efeitos durante a maré baixa, conforme expressamente consta no Parecer
técnico da FEEMA aqui mencionado.
Logo, o que se tem é que o Estudo realizado pela INEA/FEEMA
consubstanciado no Parecer Técnico acima considerou um quadro que não mais
existia quando do momento da liberação das licenças ambientais, uma vez que a
alternativa de liberação dos efluentes na Baia da Guanabara, que foi a
efetivamente analisada, foi substituída pela alternativa Mar Territorial na
Região de Maricá (via praia de Itaipuaçu).
Assim, o que se tem é a real inexistência de estudo de
impacto ambiental sinérgico tanto entre as estruturas que compõem o COMPERJ
tanto quanto entre o COMPERJ e as estruturas já existentes.
Não se ignora que em empreendimentos de significativo
tamanho, como por exemplo, o COMPERJ, é natural que o EIA/RIMA seja realizado
para cada área em separado para fins de facilitação do Estudo. Porém, isso não
permite aceitar que posteriormente a confecção dos estudos, não seja realizada
análise sobre o impacto ambiental global do empreendimento em sua área de abrangência.
Deve-se ter em mente que as licenças ambientais podem ser
formalmente separadas uma vez que cada item que forma o complexo do COMPERJ,
por razões de engenharia e econômicas podem ser construídos e entrar em
operação em momentos diferentes, porém, ideologicamente as licenças devem ser
unas, ou seja, amparadas em EIA/RIMA que considerou o complexo do
empreendimento como um todo e não apenas em sua parte.
No caso em tela os EIAs/RIMAS estão formalmente e ideologicamente
separados por área dos empreedimento (EIA/RIMA do UBP, das Atividades
Extra-Muros, das linhas de transmissão, dos dutos submarinos e etc) e o Parecer
Tecnico da FEEMA/INEA (Parecer nº 1.645/2008) considerou apenas os efeitos
ambientais da Unidade Básica de Produção (UBP), sendo sucinto, quando não omisso,
em relação aos demais elementos do COMPERJ, o que afeta diretamente as licenças
ambientais calcadas no Parecer.
Desta forma, é imperioso reconhecer a inexistência de
fracionamento das licenças ambientais e ausência de análise do impacto
ambiental sinérgico das estruturas do COMPERJ, o que viola tanto a Resolução
CONAMA nº 237/97, quando a Lei Estadual do Rio de Janeiro nº 3.111/1998.
Assim, julgo procedente a ação também nessa parte.
Analiso a alegação de existência de INEPCIA DO INEP/FEEMA NA
CONDUÇÃO DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL.
O MPF em sua petição inicial aduz existir inépcia na atuação
do INEA/FEEMA, de forma que justificaria a atuação supletiva do IBAMA no
licenciamento ambiental do Complexo do COMPERJ.
Apesar da falha mencionada no item anterior, não há que se
considerar que houve inépcia por parte do INEA/FEEMA.
Isso porque houve efetivo Parecer da FEEMA analisando os
Estudos Ambientais apresentados pela Petrobrás, bem como um longo rol de
condicionantes para a liberação da Licença de Instalação, apesar de nem todas
terem sido cumpridas até o momento.
Acrescenta-se que a celeridade na atuação do INEA/FEEMA
também não cria a presunção de atuação contra a lei ou contra a ética da administração
pública.
É plausível e verossímil a alegação da Petrobrás de que a
velocidade com que foram concedidas as licenças requeridas advém das prévias
tratativas que estavam sendo realizadas entre o INEA/FEEMA e a empresa. Isso
fica claro no conteúdo da caixa de documentos nº 01 apresentada pelo Ministério
Público.
A simples troca de informações entre a empresa e o órgão
ambiental com a finalidade de se antecipar eventuais exigências e com isso
obter o licenciamento de forma mais célere, no entender desse juízo não
configura violação aos princípios que regem a atuação de administração pública
e nem, por si só, induz à presunção de irregularidade ou infração à ética ou a
legislação.
Ademais, o MPF não trouxe qualquer elemento que poderia, de
forma concreta, demonstrar a existência de conluio entre as partes que viole a
ética ou a legislação e justificasse o afastamento do órgão ambiental sob essa
alegação.
Logo, há que se julgar improcedente a ação no que diz
respeito a essa fundamentação.
Por fim, faço as considerações finais sobre o atual estágio
da implantação do Complexo do COMPERJ para fins de orientação e esclarecimento
sobre o conteúdo da parte dispositiva da sentença que virá a seguir:
Como bem colocado pelas partes em suas alegações finais, o
COMPERJ está em fase de implantação, ou seja, a fase referente à licença prévia
já se encontra esgotada, ao menos em relação à UPB, e está o complexo na fase
de construção.
Tal fato não pode ser ignorado por esse magistrado. Além
disso, o princípio do desenvolvimento sustentável praticamente impede a
anulação da licença prévia, pois ao mesmo tempo em que causaria considerável
prejuízo econômico não traria ganhos efetivos ao meio ambiente que por ventura
já tenha sido degradado. Ademais, eventual degradação desarrazoada ocorrida
pode ser neutralizada ao se colocar a reparação ambiental do dano como
condicionante para liberação das licenças de instalação e de operação.
Quanto a licença de instalação, atual fase de grande parte
do complexo, entendo como razoável sua anulação frente a fundamentação supra,
determinando que as partes IBAMA e Petrobras de imediato iniciem o procedimento
para a obtenção de nova licença prévia, vigorando as condicionantes impostas
pela FEEMA/INEA até que o IBAMA conceda nova licença e imponha suas próprias
condicionantes.
Desta forma, o princípio da unicidade de licenças deverá
ceder frente ao princípio do desenvolvimento sustentável, devendo ser mantida
apenas as licenças conferidas pelo INEA/FEEMA que já se encontram exauridas,
como por exemplo as licenças prévias de empreendimentos que já estão em fase de
instalação ou operação, anuladas aquelas que ainda estão em desenvolvimento,
como por exemplo, licenças de instalação de empreendimentos que ainda estão
sendo instalados, cabendo ao IBAMA a concessão de licenças em substituição às
que foram anuladas e as que ainda não foram objeto de requerimento.
Tal alternativa visa garantir a competência do IBAMA para
atuar ao mesmo tempo em que evita que exista um lapso ambiental entre a
anulação da licença conferida pela FEEMA/INEA e a conclusão dos trabalhos pelo
IBAMA. Ademais, caso o órgão ambiental trabalhe com a celeridade que se espera
os prejuízos econômicos advindos da paralisação pela falta de licença serão
compensados com a segurança jurídica do empreendimento, ao menos em relação ao
licenciamento ambiental, e a devida proteção ambiental.
Ressalto que em relação aos demais elementos do Complexo do
COMPERJ que até o momento foi concedida apenas a licença prévia, a anulação
atingira essa licença, uma vez que ainda não exaurida sua finalidade.
Além disso, deve-se considerar que a presente sentença
abrange além do licenciamento da Unidade Petroquimica Basica (UPB), o
licenciamento do Emissário Terrestre Submarino, do Sistema de Duto Viário, das
Linhas de Transmissão acima de 345Kv, das vias de acesso terrestre e aquaviária
de transporte de grandes equipamentos, incluindo o Pier que está em estudo, bem
como do sistema de efluentes do COMPERJ, uma vez que o empreendimento deve ser
considerada em seu todo e não de forma separada.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, com base no art. 269, I do CPC, julgo
parcialmente procedente a lide reconhecendo a atribuição do IBAMA para a
expedição das licenças ambientais e determinando:
A anulação das licenças concedidas pela FEEMA/INEA e que
ainda não tenham sido exauridas, conforme fundamentação supra;
Que ao analisar o requerimento de licenças ambientais a ser
realizado pela PETROBRAS, o IBAMA observe o disposto na Lei do Estado do Rio de
Janeiro nº 3.111/98, devendo ser observado o impacto ambiental sinérgico dos
elementos que compõem o complexo do COMPERJ, bem como evitado o fracionamento
do licenciamento ambiental em seu aspecto ideológico, conforme fundamentação
supra.
Em vista do reconhecimento da incompetência da FEEMA/INEA
para o licenciamento ambiental, bem como em vista da difícil recuperação do
meio ambiente e para se evitar efeitos danosos às reservas ambientais que estão
na área de influencia do COMPERJ, como, por exemplo, aqueles oriundos de chuvas
ácida, antecipo os efeitos da tutela determinando a imediata paralisação de
todas as obras de construção do COMPERJ relacionadas na fundamentação supra até
que seja concedida nova licença ambiental, dessa vez pelo IBAMA.
Para se evitar maiores prejuízo ambientais determinando
ainda que apesar da Paralisação das Obras, deverá a PETROBRAS continuar atuando
no sentido de cumprir as condicionantes fixadas pela FEEMA/INEA até que novas
condicionantes sejam fixadas pelo IBAMA.
Desde já, fixo multa no valor de R$ 100.000,00 (cem mil
reais) por dia de descumprimento da paralisação aqui determinada, ficando desde
já o valor dela oriundo destinado ao Fundo Carteira Ambiental que é
administrado pelo MPF devendo ser aplicado nas APAs localizadas na área de influência
direta e indireta do COMPERJ.
Elucido, por fim, que cabe às partes IBAMA e Petrobrás o
inicio, na seara administrativa, do procedimento da concessão de novas licenças
ambientais em substituição daquelas que foram aqui anuladas.
Deixo de condenar os requeridos no pagamento das custas
processuais finais e honorários advocatícios em vista da ausência de má-fé e da
necessidade de aplicação isonômica do art. 18 da Lei nº 7.347/85.
Notifique-se o relator do Agravo de Instrumento noticiado às
fls. 330/368 do teor da presente sentença.
P.R.I.
Itaboraí,
08 de maio de 2013.