Até hoje, não sabemos muito bem o que de importante foi decidido na Rio+20, realizada em junho de 2012, aqui no Rio de Janeiro. Diferentemente das conferências que a antecederam - Estocolmo/72 e Rio/92 - a Rio+20 deixou um vazio nas políticas ambientais mundiais, indicando que os chefes de Estado não estão dispostos a enfrentar a economia dos combustíveis fósseis, das monoculturas e da obsolescência programada. A conferência teve como temas a Economia Verde, a Erradicação da Pobreza e a Governança Ambiental. Essa tal “Economia Verde” gerou certa polêmica e trouxe novos debates para as políticas ambientais. Peguei emprestado artigos sobre o tema de dois consagrados ambientalistas brasileiros, que tenho a alegria de tê-los como amigos - Fabio Feldman e Arthur Soffiati - que trazem distintos olhares sobre a questão. Tais artigos chegaram a mim por meio das comunicações enviadas por outra personalidade da área, a Amyra El Khalili, através da Aliança RECOs - Redes de Cooperação Comunitária Sem Fronteiras.
Após desfrutar da leitura, compartilho com meus amigos do blog!
O Brasil e a Economia Verde: o
que nos falta?
Por Fábio Feldman
A Rio+20, realizada
em junho de 2012, teve como título “Economia Verde no Contexto do
Desenvolvimento Sustentável e Erradicação da Pobreza e Governança Ambiental
Internacional”. A temática da “Economia Verde” foi sugerida pelo Programa das
Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), sendo que sua principal referência
foi um documento, divulgado alguns meses antes, intitulado “Rumo a uma Economia
Verde: Caminhos para o Desenvolvimento Sustentável e a Erradicação da Pobreza”.
Dez setores-chave da economia são elencados no documento, tais como a
construção civil, a indústria, o transporte, a água e a gestão de resíduos.
Segundo o estudo, o investimento de apenas 2% do PIB global por ano nesses
setores-chave, o que equivale a US$ 1,3 trilhão, pode dar início à transição
rumo a uma economia de baixo carbono e eficiência de recursos.
A ideia de uma
Economia Verde acabou suscitando uma enorme controvérsia em todo o processo da
Rio+20, especialmente por parte dos países em desenvolvimento, que encaravam
essa iniciativa como uma tentativa de esvaziamento do conceito de
“desenvolvimento sustentável”.
A grande premissa
da Economia Verde é absolutamente legítima: os desafios da humanidade passam
pela incorporação da dimensão da sustentabilidade na economia. O preço dos bens
e serviços deve incorporar as externalidades negativas que o seu processo de
produção gera, sendo que nos dias atuais, quando adquirimos qualquer coisa,
deixamos de pagar o que elas realmente custam em termos ambientais ou mesmo
socioambientais. Segundo o estudo “Expect the Unexpected: Building Business
Value in a Changing World” (algo como “Espere o Inesperado: Construindo Valor
para os Negócios num Mundo em Mudança”), da KPMG, é provável que nos próximos
vinte anos se aumente a pressão para que os preços de bens e serviços reflitam
seu custo total de produção, incluindo os custos de seu impacto ambiental.
Quando comemos uma
mera picanha, não sabemos o quanto de água foi utilizada desde o princípio da
atividade pecuária até ela chegar ao nosso prato. Também não temos conhecimento
da contribuição que essa atividade tem para o aquecimento global, uma vez que o
arroto da vaca produz metano, um potente gás de efeito estufa. Essa mesma
“contabilização” pode ser feita para qualquer bem ou serviço por nós adquirido.
A ideia de
trabalhar os grandes temas ambientais globais com a economia está na agenda já
faz algum tempo, sendo importante, no campo da mudança do clima, registrar o
estudo feito pelo ex-economista chefe do Banco Mundial, Nicholas Stern,
“Economia da Mudança do Clima”. O trabalho teve um papel muito relevante na
discussão do aquecimento global, demonstrando que o custo de não tomar
providências contra esse fenômeno trará graves consequências ao Produto Interno
Bruto (PIB) mundial nos próximos anos.
Estudo semelhante
foi feito por instituições e personalidades de credibilidade no Brasil,
“Economia da Mudança do Clima no Brasil”, que revela que a mudança do clima
também afetará dramaticamente a economia brasileira.
Segundo o
relatório, a agricultura do país poderá sofrer perdas expressivas: com exceção
da cana-de-açúcar e da mandioca, que poderão se beneficiar do aquecimento
global, as demais culturas, como soja, milho e café, poderão sofrer redução das
áreas com baixo risco de produção. A produção dessas e de outras culturas vai
requerer uma estratégia de inovação tecnológica para se adaptar a tais
alterações climáticas, que terão forte impacto no setor do agronegócio do país.
O estudo “The
Economics of Ecosystems and Biodiversity” (TEEB), ou “Economia de Ecossistemas
e da Biodiversdade”, liderado pelo PNUMA, teve como objetivo demonstrar a
importância dos serviços ecossistêmicos, apontando a necessidade de encontrar
instrumentos econômicos que assegurem sua continuidade.
Apenas a título de
ilustração, poucos de nós imaginam a importância, para a agricultura, da
polinização realizada pelas abelhas. Em outras palavras, se estas deixassem de
existir, a humanidade teria que desembolsar quantidades impressionantes de
recursos para que tais atividades continuassem a durar.
Recentemente,
realizou-se na Alemanha um congresso mundial sobre solos, o Global Soil Week,
com o objetivo de discutir estratégias mundiais que permitam sua manutenção em
todo o planeta. Com o desafio representado pelo aumento da população mundial
até 2050, colocou-se com toda a clareza a necessidade de manutenção desse
patrimônio absolutamente essencial para garantir alimentos para a provável
população de 9 bilhões de pessoas. É importante levar em conta, além do
crescimento populacional, o fato de que se prevê que, até 2030, farão parte da
classe média mais 3 bilhões de pessoas, segundo o estudo “Resource Revolution:
Meeting the World’s Energy, Materials, Food and Water Needs” (algo como:
“Revolução dos Recursos Naturais: Atendendo à Demanda Mundial por Energia,
Matéria-prima, Alimentos e Água”), da McKinsey.
Economia Verde,
portanto, é o esforço necessário que tem que ser feito para que as ações da
humanidade possam ser devidamente mensuradas no que tange aos seus impactos no
planeta. Significa, evidentemente, o reconhecimento de que o mercado não é
capaz de resolver problemas dessa magnitude, impondo-se a necessidade de novos
marcos regulatórios e instituições a serem articulados através de arranjos
inovadores.
Nessa linha de
raciocínio, o consumidor globalizado terá um papel fundamental no sentido de
pressionar empresas para que ofereçam produtos mais sustentáveis e com menor
impacto. Pavan Sukhdev, um dos principais autores do TEEB, tem colocado a
necessidade de que as empresas, além das demonstrações financeiras
tradicionais, passem a contabilizar suas externalidades no meio ambiente.
A empresa Puma, em
seu relatório anual de sustentabilidade de 2011, fez um esforço de demonstrar
através de uma matriz os impactos gerados pelos seus produtos em toda a cadeia
produtiva.
Em síntese, existe
um consenso de que há que substituir os conceitos e instrumentos atuais de
mensuração por aqueles que possuam uma abrangência maior. O PIB hoje é
considerado muito limitado e existem propostas para substituí-lo, a exemplo da
Comissão para Mensuração da Performance Econômica e Progresso Social,
idealizada pelo ex-presidente francês Nicolas Sarkozy, encabeçada pelos Prêmios
Nobel Joseph Stiglitz e Amartya Sen. Segundo relatório da comissão,
sustentabilidade e qualidade de vida estão entre os fatores a serem
considerados na mensuração da performance econômica e progresso social de um
país.
No Brasil, essa
discussão até agora é muito incipiente: ainda temos um longo caminho a ser
percorrido. Como possuidores da maior biodiversidade do planeta, de sua maior
floresta tropical contínua e da maior bacia hidrográfica de água doce, teríamos
toda a oportunidade de liderar a adoção de políticas que colocassem em prática
as ideias de uma Economia Verde. Isso porque também possuímos uma sociedade
civil bem organizada, um empresariado cosmopolita e uma comunidade científica
bem instalada.
Para tanto, nos
falta visão e lideranças políticas com mentalidade do século 21.
Fábio Feldman é advogado e administrador,
atua na área de meio ambiente e desenvolvimento sustentável em São Paulo
Economia verde: Sim ou Não?
Por Arthur Soffiati
Logo depois de eclodir a primeira revolução industrial, no fim do século 18, a
questão social se manifestou com rapidez. Não demorou a surgirem os críticos da
economia de mercado, variando do socialismo cristão ao comunismo e ao
anarquismo. No mínimo, o capitalismo deveria respeitar limites. No máximo, ele
deveria ser suplantado pelo socialismo-comunismo-anarquismo.
A crise ambiental demorou mais a se manifestar porque a capacidade de adaptação
(resiliência) do planeta é bem maior do que o da sociedade. Só nos anos de
1960, cientistas começaram a perceber a doença que acometia a Terra. Geólogos e
paleontólogos esclareceram que a crise distinguia-se das cinco grandes crises
planetárias registradas em passado anterior aos seres humanos. Além de global,
a crise de hoje resulta de atividades humanas coletivas nos sistemas
capitalista e socialista. Por isto, ela é singular na história da Terra.
Em 1972, a Organização das Nações Unidas promoveu, em Estocolmo, a primeira
conferência mundial para discutir as relações conflituosas entre
desenvolvimento e limites da Terra. Nela, foram discutidos dois princípios que
nos incomodam muito ainda hoje: 1- os limites do planeta e 2) a promoção do
desenvolvimento sem ferir tais limites. Houve uma resposta à segunda questão
que recebeu o nome de ecodesenvolvimento. Embora a ciência
desconhecesse quase tudo sobre os limites do planeta, Maurice Strong e Ignacy
Sachs aprimoraram o conceito de ecodesenvolvimento propondo cinco critérios
para ele: 1- respeito aos limites dos ecossistemas, 2- respeito às diversas
culturas do mundo, 3- distribuição geográfica equilibra da população mundial,
4- priorização do social no processo de desenvolvimento e 5- adequação das
técnicas e tecnologias às peculiaridades de cada meio socioambiental.
Antes que o ecodesenvolvimento fosse testado, a ONU criou uma comissão para
estudar o estado das relações ecologia-economia. Esta comissão concluiu seus
trabalhos com o relatório Nosso Futuro Comum, que propôs o conceito
de desenvolvimento sustentável, triunfante na Conferência Rio 92. Em
princípio, seu significado era muito semelhante ao de ecodesenvolvimento, mas
logo ele ganhou diversos sentidos e se perdeu. Hoje, fala-se em crescimento
sustentável, juros sustentáveis e até em corpo sustentável, todos eles
ecologicamente insustentáveis.
Enquanto eram propostos caminhos para um novo desenvolvimento, os cientistas
faziam um grande esforço para detectar os componentes da crise ambiental e
mensurá-los. Entre 1992 e 1995, William Rees e Mathis Weckmagel desenvolveram o
conceito de pegada ecológica, bastante usado atualmente para medir
até o impacto que cada indivíduo causa à Terra. A pegada ecológica levou à
mensuração de carbono lançado na atmosfera pela civilização ocidental e
ocidentalizada.
Em 2000, o Prêmio Nobel de Química Paul
Josef Crutzen concluiu que a humanidade, operando coletivamente,
estava criando uma nova época geológica, batizada por ele de Antropoceno.
A conclusão do cientista foi endossada pelo quarto relatório do Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. De fato, as
emissões gasosas emanadas de atividades rurais, industriais e urbanas estão
mudando perigosamente o clima do planeta. As pesquisas do IPCC contribuíram
significativamente para construir o conceito de economia de baixo carbono.
De 1995 aos dias de
hoje, a comunidade científica avançou bastante na identificação dos fatores
responsáveis pela crise ambiental e na mensuração deles. Ainda em 2007, foi
criado o Centro Resiliência de Estocolmo, que vem demonstrando a complexidade
da crise ambiental. Em primeiro lugar, mostrou-se que, ao lado das mudanças
climáticas e do empobrecimento da biodiversidade, mais oito componentes devem
ser levados em conta: a depleção da camada de ozônio (ainda não resolvida), a
acidificação dos oceanos, o comprometimento da água doce, as profundas
alterações no uso do solo provocadas pela agropecuária e pela urbanização, a
contaminação dos meios rurais e urbanos, a aceleração antrópica do ciclo de
nitrogênio, a aceleração antrópica do ciclo de fósforo e a emissão de
partículas sólidas (aerossois) na atmosfera. Além disso, o Centro explica que a
capacidade da Terra em amortecer impactos e adaptar-se a eles (resiliência)
deve ser levada em conta na mensuração dos fatores. No entanto, esclarece que a resiliência tem
limites e que a humanidade deve trabalhar dentro de um espaço seguro de
operação.
Com todas estas contribuições à disposição, os participantes da Rio+20 elegeram
o conceito de economia verde para substituir o de sustentabilidade.
Entretanto, tal como este segundo, economia verde ainda é um conceito não
devidamente claro. Assim, ele já está sendo apropriado pela economia de mercado
para valorar (atribuir valor econômico) e precificar (estabelecer preço) bens e
serviços da natureza. No século 19, Marx entendia que água e ar eram bens
abundantes e, por esta característica, nunca seriam transformados em bens de
troca pelo mercado.
Até pouco tempo, os economistas não cogitavam que a fotossíntese, a capacidade
de troca catiônica do solo, o trabalho das minhocas, a polinização por insetos,
aves e morcegos, a umidade relativa do ar, a atividade dos decompositores e
tantos outros bens e serviços da natureza pudessem ser valorados e precificados.
Esta tendência começou com economistas que atribuíam valor econômico a
ecossistemas destruídos por ação humana para fins de indenização por parte do
destruidor.
Cada vez mais, agora, empresários e governos pensam em ganhar dinheiro com a manutenção
de florestas em pé, com a conservação da água doce, com os serviços prestados
gratuitamente pela natureza. Tomemos o urubu como um exemplo simples. De graça,
ele se incumbe de devorar animais mortos não recolhidos pelo serviço de limpeza
pública. Invocando a economia verde, algum governo nacional poderá instituir
uma lei autorizando que os urubus sejam empresariados e tenham o seu serviço
gratuito mercadorizado.
Pode-se alegar que a mercadorização de bens e serviços produzidos e prestados
gratuitamente pela natureza contribui para protegê-los da destruição, mas
existe um grande perigo neste processo. As mercadorias oscilam de acordo com a
lei da oferta e da procura. A mercadorização de bens e serviços gratuitos
retira deles seu valor intrínseco. Eticamente, os seres vivos têm valor
intrínseco pelo que são, não por sua utilidade ao ser humano. Transformados em
mercadoria, bens e serviços antes gratuitos, ficam sujeitos às oscilações do
mercado, que ora podem ajudar a protegê-los, ora a destruí-los.
Para ilustrar o perigo que representa transformar os bens e serviços gratuitos
da natureza em mercadoria, recorramos à fabula de Esopo sobre a galinha dos
ovos de ouro. Um casal comprou uma galinha em tudo igual às outras galinhas: bico,
penas e pés. Mas foi grande a surpresa e a alegria do casal ao descobrir que
ela punha ovos de ouro. Marido e mulher pensaram em ganhar muito dinheiro com
os ovos. Contudo, em vez de esperar que a galinha pusesse mais ovos, resolveram
matá-la e abrir sua barriga para obter mais ovos. Acontece que a galinha era
igual a todas as galinhas por dentro. Moral da história: quem tudo quer tudo
perde. Os ovos é que são a mercadoria. Se os preços caírem, os ovos podem ser
vendidos por valor mais barato. Se subirem, por preços mais caros. A galinha,
no entanto, não pode ser mercadoria, pois se cair seu preço será mais vantajoso
matá-la. Mas os ovos vão-se com ela.
Arthur Soffiati é doutor em
história social com concentração em história ambiental e pesquisador do Núcleo
de Estudos Socioambientais da Universidade Federal Fluminense/Campos dos
Goytacazes