Começa
a operar hoje (quarta-feira, dia 06 de junho) o primeiro corredor expresso de
ônibus do Rio de Janeiro – o BRT Transoeste – implantado pela prefeitura com a
expectativa de reduzir significativamente as longas viagens de quem freqüenta
habitualmente o terminal Alvorada, na Barra da Tijuca, e bairros como Campo
Grande, Santa Cruz, Vila Kennedy e Bangu. As mudanças no sistema serão
graduais, algumas estações só ficarão prontas em agosto, e ao todo serão 57
estações e terminais. Segundo a previsão da prefeitura mais sete estações serão
construídas. Que nota a população dará ao teste?
Um dos
pilares de qualquer matriz de desenvolvimento, a questão dos transportes e da
mobilidade urbana entra em cena no Rio de Janeiro com a perspectiva de
estabelecer planos e sistemas estruturantes para uma política que produzirá
reflexos nas próximas décadas. É o caso das vias expressas como a Transoeste, a
Transcarioca e a Transolímpica, as duas últimas ainda sem prazo estabelecido
para entrar em funcionamento.
Após
décadas de estagnação econômica e política, período no qual os investimentos
públicos e privados foram sistematicamente esvaziados, o Estado do Rio de
Janeiro - desde o início do Governo Sérgio Cabral, em 2007, alinhado ao
Presidente Lula - passa por uma transformação que desengavetou diversos projetos
de desenvolvimento, abrindo frentes de obras em variadas localidades.
Nesse
contexto de prosperidade, o Estado ainda pode contar com alguns incentivos
externos, em especial a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, sem
esquecer a Rio + 20 – a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente, que
acontece ainda neste mês de junho. Sem dúvida alguma, esses eventos
internacionais trarão contribuições inestimáveis para a Cidade do Rio de
Janeiro – tanto positivas, quanto negativas.
Como
projetos que pretendem produzir mudanças profundas nos sistemas de circulação
na Cidade e, portanto, na dinâmica urbana, essas intervenções causam um
conjunto de impactos positivos e negativos que – no final das contas – serão
vividos pela sociedade. Por isso, é necessário definir o modelo de cidade que
se quer, que reflita da melhor forma os desejos, o conforto e os sonhos de
todos os seus habitantes.
Será que passam de fato pelo Rodoviarismo
as melhorias nos sistemas de transporte e circulação na Cidade do Rio de
Janeiro?
Questões
como trânsito caótico, longos engarrafamentos, acidentes, transportes públicos
lotados e de qualidade duvidosa, dentre outras, fazem da mobilidade urbana um
dos principais temas associado aos investimentos que pretendem adequar a
infraestrutura da Cidade para os grandes eventos que aqui serão realizados.
Como
estamos numa metrópole, não temos como prescindir de políticas públicas
estaduais e federais para o trânsito e os transportes. E assim tem sido no Rio
de Janeiro. Além dos programas e ações desenvolvidas pela municipalidade, ainda
temos as ações promovidas pelo Governo do Estado, sendo que a implementação do
Arco Metropolitano é uma das mais visíveis. O projeto pretende instituir uma
via expressa que retire o trânsito de cargas das áreas e vias centrais das
cidades, desde Itaguaí até São Gonçalo.
A cada ano, 250 mil novos veículos entram
em circulação no Rio de Janeiro
É
inquestionável a necessidade de aumento das condições de trafegabilidade pela
Cidade do Rio de Janeiro. E como somos um dos principais produtores e
consumidores de automóveis no mundo, o problema tende a se expandir. E não há
como desvincular o aumento dessas demandas por mais espaço das políticas de estímulo à produção e aquisição de
automóveis, como a promovida pelo Governo Federal recentemente com a redução do
IPI dos carros novos.
O Rio
tem uma população atual de mais de 6 milhões de habitantes e uma outra
expressiva parcela que trabalha, produz e vive grande parte de sua vida na
Capital, mas possui moradia em cidades periféricas. Essas pessoas circulam
diariamente com dificuldades entre suas casas e o trabalho, a escola e o lazer.
Com a perspectiva de realização dos grandes eventos programados para a Cidade,
essa questão tem que ser equacionada. E como a proposta não deveria ser de
solução pontual, apenas para o período dos eventos, ela deve atender às
necessidades da população atual – com compromisso com as projeções futuras de
demanda. Portanto, como serão intervenções de alto custo financeiro e que
impactarão a Cidade por várias gerações, esses projetos deveriam estar
sintonizados com os princípios, as diretrizes e os instrumentos de planejamento
existentes.
Políticas de Transportes são definidas
pelos empresários do setor
Um dos
maiores problemas enfrentados na elaboração e implantação de políticas públicas
para transportes no Rio de Janeiro é que essas políticas são estabelecidas sob
o comando dos próprios concessionários, que estão mais preocupados com as suas
vantagens nas margens de lucro que a atividade proporciona. Com isso, temos
políticas que apostam no sistema rodoviarista, em detrimento de investimentos
em transportes sob trilhos ou hidroviários.
Caso do Metrô, cujos tímidos
investimentos desde que foi inaugurado, em 1979, nos levaram aos tristes
resultados na atualidade. O que era para ser uma alternativa de qualidade, já
está bem abaixo das expectativas, dada a limitada capacidade de operar frente
às demandas existentes. Apesar da existência dos projetos de expansão das
linhas, inclusive a que atravessaria a Baía de Guanabara rumo a Niterói, a
construção de novas estações tem acontecido a passos extremamente lentos. E os
novos trens importados da China chegam com grande atraso, fora os incríveis
problemas de dimensões equivocadas que retardam a sua entrada em funcionamento!
O que dizer, então, dos trens
urbanos? Em meados da década de 1980 transportavam mais de 1 milhão de
passageiros por dia. Às vésperas de sua privatização, em 1998, operavam com
capacidade de 145 mil passageiros/dia, quase dez vezes menos. Hoje, cansamos de
assistir estarrecidos na TV a humilhação a que são submetidos os usuários,
cerca de 450 mil passageiros/dia, que se deslocam entre o Rio e outras 10
cidades da Região Metropolitana, vítimas de atrasos aviltantes, quebradeiras e
violência por parte de quem deveria garantir a ordem.
O transporte hidroviário também é uma
importante alternativa para a população da cidade do Rio de Janeiro e de outras
cidades da Região Metropolitana, como Duque de Caxias, Magé e São Gonçalo.
Porém, o exemplo das linhas já operadas no transporte entre Rio e Niterói não
tem sido promissor em qualidade e benefícios, eis que a concessão parece toda
desenhada para atender prioritariamente aos interesses do concessionário,
deixando a população a ver navios, ou
melhor, em barcas à
deriva.
Mas há bons projetos para o Município
que incluem a ligação Barra–Centro, e Ilha–Botafogo - ligação marítima entre os
bairros da Ilha do Governador e Botafogo, com paradas previstas na Ilha do
Fundão e no Centro da Cidade, fazendo a ligação entre os aeroportos Tom Jobim e
Santos Dumont. O que parece faltar é vontade política no sentido de consolidar
tais projetos.
Priorizar o rodoviarismo segue na
contramão das melhores alternativas e produz muitos impactos socioambientais
por todo o país. Ele retroalimenta a indústria automobilística que impõe novas
demandas para a ampliação de vias e rodovias, túneis e viadutos, postos de
gasolina e serviços gerais, além de estacionamentos.
O
professor do programa de Engenharia de Transportes da Coppe/UFRJ, Fernando
McDowell, em matéria publicada na Revista do CREA/RJ, manifestou opinião de que
a infraestrutura de transportes da Cidade do Rio ainda está longe de ser a
ideal:
“Eu acredito que a solução para a
mobilidade está na melhoria do transporte coletivo. Isso pode começar com os
três corredores, mas tem que haver melhoria nos trens e metrô, para que atuem
de forma integrada. Os ônibus também precisam ser mais eficientes. É preciso
criar uma nova filosofia que privilegie o transporte público em detrimento do
carro privado. Não como uma obrigação, mas pelo reconhecimento da qualidade dos
transportes coletivos. A mobilidade só virá com a garantia de segurança na
viagem a pé, com calçadas bem pavimentadas e sinalização horizontal eficiente,
além de uma rede cicloviária conectando todos os sistemas de transporte. Com
isso, teremos melhorias.”[1]
A frota de veículos no Brasil cresceu
mais de 120% nos últimos anos. Saímos de uma frota de 34 milhões para os atuais
70 milhões, apenas entre os anos de 2000 e 2011. O Governo Federal continua
estimulando o consumo de veículos e a Prefeitura e o Governo do Rio investem em
rodovias, num claro e reprovável fortalecimento do rodoviarismo – que se tornou
o grande vilão da qualidade de vida dos cidadãos urbanos.
As crescentes demoras nos
deslocamentos acabaram se tornando outro tormento comum na cidade, atuando
sobre a subjetividade coletiva de forma extremamente negativa, produzindo
doenças de cunho neurológico. Além das emissões de gases variados, resultantes
da queima de combustíveis fósseis pelos veículos automotores que também afetam
a saúde da população, principalmente os sistemas respiratórios – incidindo
diretamente na diminuição da qualidade de vida das pessoas.
Portanto, é notório que há grandes
impactos sociais, ambientais e urbanísticos na implementação de projetos
viários, como os que estão em processo de elaboração e conclusão no Município
do Rio de Janeiro, exemplo da tão propagada Transoeste. Que a população aposte na correção de rumos por
meio de sua avaliação poderosa e sincera. E que ainda tenhamos tempo de reordenar
as políticas públicas na direção de uma mobilidade mais justa, eficiente,
democrática e sustentável.