sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Empresário nomeado para Coordenação Regional do ICMBio é investigado pelo Ministério Público Federal

Investigação apura prática de crime de advocacia administrativa na defesa de construção embargada pelo ICMBio e pelo INEA em unidades de conservação administradas pela União e pelo Estado



                    
                   André Corrêa - DEM cumprimenta seu indicado, Ricardo Raposo, pela nomeação para a Coordenação do ICMBio

O Ministério Público Federal de Angra dos Reis está investigando, através do Inquérito Civil nº 1.30.014.000195/2017-09, conduta praticada pelo empresário Ricardo Raposo que pode configurar a prática de crime de advocacia administrativa. Raposo foi nomeado na última terça-feira (17/10/2017) para exercer a Coordenação Regional do ICMBio no Rio de Janeiro, como contrapartida para o DEM no grande acordo nacional para impedir as investigações de obstrução da justiça praticada pelo presidente Temer.

A advocacia administrativa é crime previsto no art. 321 do Código Penal Brasileiro e se configura quando um servidor público, no exercício de suas funções, atua na defesa de interesses privados junto à Administração Pública:

       Art. 321. Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração              pública, valendo-se da qualidade de funcionário.
       Pena: detenção de um a três meses, ou multa.
       Parágrafo único. Se o interesse for ilegítimo, a detenção é de três meses a um ano, além da          multa.

Segundo documentos juntados ao inquérito, Raposo teria atuado na defesa de interesse do empresário Fernando Altério, que foi autuado diversas vezes por construir, reformar e/ou ampliar mansão localizada no Saco de Mamanguá, o único fiorde tropical do Brasil, localizado no município de Paraty. As autuações tiveram início em novembro de 2015, quando equipe do ICMBio constatou a realização de obras no local e emitiu a Notificação nº 39632 - solicitando que o responsável paralisasse as obras e apresentasse as licenças ou autorizações pertinentes, haja vista que o local tem sobrepostas duas unidades de conservação: a APA de Cairuçu (Federal) e a Reserva Ecológica da Juatinga (Estadual).

Em janeiro de 2016, em fiscalização de rotina realizada conjuntamente por fiscais do ICMBio e do INEA, foi constatado que as obras continuavam em plena realização, motivando a emissão de três autos de infração de multas e embargo pelo ICMBio (Autos de nº 8725, 8727 e 8728), assim como do Auto de Constatação nº 1843, com imposição de multa, e do Auto de Embargo nº 0857, lavrado pelos fiscais da Reserva de Juatinga, do INEA.

Segundo laudos elaborados pelos órgãos ambientais, a mansão ocupa uma área de 4.800 m2, com estruturas que envolvem uma casa principal, com uma suíte superior, piscina, casas de caseiro, deque com balanço para o mar, lavanderia e almoxarifado, casa de gerador, quiosque retangular em área aterrada e pier de atracação. Foram constatadas a construção de muro de contenção sobre costão rochoso e praia, canais de escoamento de águas, encanamento com deságue no mar, supressão de vegetação nativa e substituição por exóticas, descarte inadequado de entulhos de obras, cercamento de área, além de cortes de barrancos e rochas.

Raposo teria atuado junto aos órgãos ambientais para desembargar a obra irregular

Segundo farta documentação juntada ao inquérito do MPF, Raposo teria atuado junto aos órgãos ambientais para proceder ao desembargo, a fim de finalizar a construção irregular no Saco do Mamanguá, verdadeiro paraíso ecológico cobiçado por empresários da mais alta elite nacional e internacional, mas que encontra-se protegido por duas unidades de conservação.

Na condição de Gerente de Unidades de Conservação do INEA, Raposo tinha poder hierárquico sobre as equipes da Reserva Ecológica da Juatinga e poderia, portanto, pressionar e até rever os atos praticados por seus comandados. E aparentemente foi o que aconteceu. Em 12 de abril de 2017, Raposo assina o levantamento do embargo realizado pelo INEA, entregando notificação do órgão ao proprietário com a afirmação de que "o INEA não se opõe às obras na propriedade" (confira imagem abaixo). Com isso, o obstáculo criado no âmbito estadual estava formalmente superado. Porém, restavam as multas e o embargo aplicado pelo ICMBio.
                                 
Exatamente um mês depois de desembargar a obra, em 12 de maio de 2017, Ricardo Raposo foi à Paraty, na companhia de Silvana Sanches, advogada do empresário autuado, para reunião com a equipe da APA de Cairuçu, na qual visavam "sensibilizar" os servidores do ICMBio para o desembargo da obra. Entretanto, o empreitada não foi bem sucedida. Segundo relatos, Raposo teria insistido por meio de telefonemas com as tentativas de sensibilização.

A configuração do crime de advocacia administrativa

Segundo a jurisprudência, a prática do crime de advocacia administrativa não exige que o agente obtenha qualquer tipo de vantagem. Ou seja, não há a necessidade de investigar se o agente praticante do ilícito recebeu dinheiro, bens materiais ou qualquer outro benefício em usar de sua função pública para atuar no interesse de particular. Basta agir nesse sentido.

Em julgamento da Apelação Criminal nº 2000.71.03.000567-3, no TRF-4, o tribunal afirmou que o crime é formal, de dolo genérico. Segundo a ementa firmada no julgado, "o delito capitulado no art. 321 do CP é formal e consuma-se com o simples ato de interferir em favor de particular, não se exige que o agente obtenha qualquer tipo vantagem, porquanto o que a norma visa resguardar é o bom funcionamento, a transparência, a moralidade da administração pública. O dolo, no delito em questão, é genérico, bastando a vontade de praticar a conduta descrita no caput."

Pode ser que seja uma grande coincidência que o novo nomeado para coordenar o ICMBio nos estados do RJ/SP/MG tenha desembargado uma obra irregular milionária no interior de duas unidades de conservação e, em seguida, tenha comparecido com a advogada do embargado para requerer o desembargo federal junto ao ICMBio. Porém, os fatos permitem que se promova um juízo de valor quanto à conduta, no mínimo, muito suspeita de um empresário na função de direção das unidades de conservação estaduais. Mas na semana que vem, ao que tudo indica, ele assumirá a direção das unidades federais dos três estados que concentram o maior número de atividades de grande porte de impacto sobre o meio ambiente, assim como de imenso potencial econômico, como o Terminal Portuário de Macaé, que foi desautorizado pelo ICMBio e envolve cifras de mais de R$ 2 bilhões.

Raposo foi secretário de prefeito que desviou recursos para desabrigados 
da Tragédia da Região Serrana

Em seu perfil em redes sociais, Raposo indica que foi Secretário Municipal da Prefeitura de Teresópolis entre janeiro de 2009 e agosto de 2011. Mas não há informações de porque tenha deixado a prefeitura no meio do mandato de quatro anos.

Ocorre que foi secretário na gestão do Prefeito Jorge Mário Sedlacek, que teve sua gestão iniciada em janeiro de 2009, mas sofreu processo de cassação com votação unânime pela Câmara de Vereadores por improbidade administrativa. Investigações apontaram que o ex-prefeito organizou uma ação criminosa para o desvio de verbas emergenciais destinadas ao amparo das famílias afetadas pela Tragédia da Região Serrana - ocorrida em 2011, quando 918 pessoas morreram e 103 ficaram desaparecidas, segundo dados oficiais. Em matéria do G1, de 2015, levanta-se a suspeita de que os números reais possam ter chegado a mais de 10 mil mortos e desaparecidos. A cassação do prefeito ocorreu exatamente em agosto de 2011, quando Raposo também deixou a prefeitura.

À época, o dono da empresa RW Engenharia, José Ricardo de Oliveira, procurou o MPF para fazer delação premiada em troca da diminuição de sua pena, por estar envolvido no esquema de desvio. Segundo ele, sua empresa participou do esquema que envolveu o prefeito, empresários e secretários municipais no desvio de R$ 100 milhões.

Servidores do ICMBio recebem apoios por todo o Brasil

A mobilização dos servidores do ICMBio contra a entrega de cargos de direção para empresários e apadrinhados de esquemas partidários ilegítimos só vem crescendo. Durante o VIII Seminário de Áreas Protegidas e Inclusão Social - SAPIS, realizado nestes dias em Niterói, na Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense - UFF, representantes de federações, fóruns nacionais e movimentos sociais variados, incluindo comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas, aderiram aos protestos contra o loteamento do ICMBio.

Lideranças de Comunidades Tradicionais de todo Brasil, reunidas em Niterói, realizam protesto contra loteamento de cargos no ICMBio.

As lideranças dos movimentos sociais assinaram um manifesto e aprovaram moção de repúdio ao governo federal pela entrega clientelista de cargos de grande importância estratégica para políticos com interesses de neutralização das ações ambientais. O caso mais falado no encontro é o que envolve o Deputado Estadual André Corrêa e o Deputado Federal Rodrigo Maia, ambos do DEM - que exigiram a entrega do IBAMA e do ICMBio no Rio de Janeiro. No IBAMA, o interventor dos deputados do DEM já assumiu a vaga. Quanto ao ICMBio, o interventor Ricardo Raposo, investigado pelo MPF, foi nomeado, mas ainda não tomou posse da função. Sua posse deve ocorrer na próxima segunda-feira em Brasília, tendo em vista que na data de hoje foi publicada sua exoneração do cargo de Gerente do INEA.

    Do Nordeste, a Rede de Mulheres da Bahia envia mensagens de apoio à luta contra o loteamento de cargos do ICMBio.


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10 comentários:

  1. Parabéns pela reportagem denúncia de grande relevância! Temos que expor os interesses que muitas vezes movem afastamentos de servidores sérios e comprometidos com as políticas de estado, de cargos de direção e assessoramento para serem substituídos por agentes políticos comprometido apenas com os favores e benesses que destinam aos agentes financiadores de suas campanhas. Eles passarão e os que respeitam o coletivo popular ficarão! Vamos a luta!

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    1. Caro Alexandre,

      Retribuo sua gentileza agradecendo por sua mensagem. Na atualidade temos acesso a meios que nos permitem servir à informação com uma denúncia, com uma reflexão e tal. É por aí que tenho me movimentado.
      Estamos agora numa luta contra esse tipo de prática política velha e ultrapassada de aparelhamento escancarado da máquina pública para benefícios pessoais e partidários.
      Sigamos nas lutas!
      Abraços

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  2. Parabéns pela coragem e competência da denúncia. Encurtaremos caminhos se exigirmos concurso público para todo e qualquer cargo público, uma das soluções para o tão almejado salto de qualidade, moral, técnico e, sobretudo político. Nomeação de apaniguados é imoral.

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    1. Obrigado, meu amigo!
      Eu tenho servido para divulgar o imenso movimento que se formou contra essa arbitrária intervenção e o que ela representa no que se refere à real proteção do meio ambiente.
      Um abraço,

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  3. Boa a investigativa matéria, caro Rocco. Essa é uma entre as tantas corrupções que são promovidas por essa gente estranha ao interesse do nosso meio ambiente, incompetentes que são nomeados por caciques políticos corruptos do estado, casos de polícia que não cansamos de denunciar, e vão nos exaurindo sem ação eficiente alguma por parte de quem deveria punir esses criminosos contumazes, especialmente seus chefes.
    Abraço.

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    1. Caro Wanderley,
      Realmente é cansativo e desanimador perceber como a área ambiental vem sendo vítima da política mais mesquinha, mais rasteira que, em geral, usa dos mecanismos criados para a proteção do meio ambiente apenas como ferramenta de promoção político-partidária e empresarial, deixando de lado a proteção real do meio ambiente.
      Mas temos que manter a resistência!
      Um abraço,

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  4. Parabéns pela reportagem. Em breve esse senhor irá pagar por tais atos.

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    1. Agradeço por sua gentileza e aposto em sua previsão.
      Um abraço,

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  5. Bom dia Rogerio.

    Segue link para atualização sua e do seu blog.

    https://blogs.oglobo.globo.com/lauro-jardim/post/mpf-ajuiza-acao-contra-dono-da-t4f-e-coordenador-do-icmbio-rj.html

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